as expectativas dos bolseiros de doutoramento da fct desceram ao nível das suas contas bancárias: a zeros.
as demoras no pagamento das bolsas são cada vez maiores, afectando milhares de estudantes em portugal e no estrangeiro. a situação está a obrigar alguns dos jovens mais promissores do país a viver tempos de desespero, acumulando dívidas.
no reino unido, a portuguesa ana pereira (nome fictício) aguarda desde o início do ano pelas primeiras libras. desde essa altura que tem podido contar com a ajuda dos pais, que suportam os cerca de 1.200 euros mensais das despesas da investigadora. era suposto já ter vindo «algumas vezes a portugal», mas teve de cancelar por falta de dinheiro.
a jovem ponderou ignorar a exclusividade (imposta pela fct) e dar aulas de português naquele país, mas por enquanto vai esperar que tudo se resolva dentro da legalidade.
em cima da mesa esteve até a suspensão da matrícula. é que cabe aos bolseiros no estrangeiro pagar as propinas na instituição de acolhimento, sendo depois ressarcidos pela fct, mas nem o vencimento mensal nem essa verba chegaram às mãos da bolseira, e os pais não podiam suportar também os quatro mil euros semestrais. confrontado com a hipótese da desistência da aluna, o departamento onde estuda decidiu avançar a verba à universidade e aguardar que o dinheiro siga de portugal para a estudante. «mas vai ser sempre este drama, todos os semestres», antecipa.
maria sousa (nome fictício) tem uma bolsa mista e há alguns meses tinha a vida planeada para neste momento estar em nova iorque, em pesquisa no metropolitan museum of art. foi apenas uma das contas que lhe saíram ao contrário: «sem bolsa, obviamente que tive de abandonar os meus planos iniciais».
espera atravessar o atlântico em julho e agosto, mas só poderá comprar o bilhete quando tiver o dinheiro. «vou pagar um balúrdio por comprar tão em cima da hora. isto, se receber entretanto», lamenta, enquanto soma as despesas correntes: «quando o dinheiro com retroactivos chegar, pouco restará no final». feitas as contas, olha para trás: «se eu soubesse que a situação ia chegar a este ponto, nem teria concorrido».
‘tenho o banco à perna’
helder silva, de 26 anos, está há três meses à espera dos 980 euros da bolsa para o doutoramento em engenharia química e biológica, na universidade do minho, que foi aprovado pela fct. por acreditar que tudo iria correr normalmente, interrompeu um outro projecto que estava a desenvolver na mesma universidade e que lhe assegurava um rendimento mensal. agora vive aflito: já deve 850 euros a amigos, e o valor poderá engrossar com a prestação e o seguro do carro que se aproximam: «é uma situação muito aflitiva. estou sem soluções e equaciono fazer um empréstimo online».
hélder sublinha ainda o facto de a fct «não pagar juros de mora aos bolseiros» a quem não paga a tempo, quando estes não conseguem escapar aos das instituições de crédito e da segurança social. além disso, este bolseiro lembra que, por ter sido contratado pela fct, não pode trabalhar para mais ninguém, «mesmo enquanto não recebe a bolsa».
para ricardo duarte, de 27 anos, os atrasos da fct têm resultado em «meses de dívidas acumuladas» e as coisas só não são piores devido à ajuda de familiares. o pai emigrou e é o que lhe tem valido. sem meios financeiros para mais, trabalha «a meio gás» no seu projecto em história, na universidade nova. a pesquisa de arquivo que devia ter começado em janeiro continua em pausa. com as deslocações limitadas às indispensáveis, a biblioteca nacional tem estado fora do roteiro e as encomendas de livros fora de hipótese.
sem receber «desde o início do ano», joão costa, da universidade do minho, chega ao final de maio «metido em alhadas financeiras»: «tenho o banco à perna pois tenho a prestação da casa em atraso».
o jovem doutorando na área das engenharias aguentou «por causa das promessas da fct» que apontavam para esta altura os primeiros pagamentos. já nem os cartões de crédito a que recorreu lhe valem. «agora deram o dito por não dito e dizem que só em julho iremos de facto receber», acrescenta. tem pedido respostas à fct, mas os contactos que mais frequentemente tem recebido vêm de onde menos desejaria: «tenho o banco a ligar-me todas as semanas a perguntar quando vou pagar e a dizer que vão comunicar aos meus fiadores e ao banco de portugal».
acusações à fct
o cartão de crédito foi uma das soluções de rita abreu (nome fictício), mas «neste momento já está estoirado». o mesmo sucede na segurança social, a quem terá de pagar o valor em falta e a percentagem pelo atraso. os pais têm ajudado, mas com casa, carro e outras despesas, «isto não é solução»: «vai-se sobrevivendo assim…».
ricardo ressurreição nem poderá ser acusado de ser imprevidente. poupou para os primeiros meses, mas depois disso, viu-se obrigado a recorrer a terceiros: «tenho conseguido orientar-me com pouco dinheiro, emprestado por um amigo que trabalha no estrangeiro». enquanto estuda geologia num laboratório público, o seguro social voluntário (ssv) está por pagar desde janeiro. mas os juros são certos e os pais «não têm condições» para o ajudar financeiramente.
já os pais de philippe ramos, bolseiro de engenharia biológica, até o podem apoiar, mas não era isso que ele esperava depois de ter conquistado a independência financeira. «sou bolseiro da fct desde 1 de janeiro de 2012 e ainda não recebi qualquer pagamento», resume. ficou meses sem informações e em abril contactou a fct. disseram-lhe que não receberia em maio, mas sim em junho. mesmo assim, o estudante da universidade do minho não está optimista: «houve colegas meus que entregaram os documentos ao mesmo tempo que eu e souberam agora que provavelmente só receberão em julho». obrigado a pedir dinheiro aos pais sem lhes poder dizer quando o restituirá, philippe contesta o modo como todo o processo é gerido: «temos de trabalhar sem saber quando e como é que vamos receber».
um doutorando da faculdade de ciências sociais e humanas da universidade nova de lisboa que prefere não revelar o nome usa argumentos semelhantes para descrever esta «situação lamentável». sem conseguir dedicar-se a tempo inteiro ao doutoramento, acusa a fct de estar a «ser desonesta e a demonstrar desprezo para com os seus investigadores». ricardo duarte, por seu turno, mostra-se triste com a «situação dramática que muitos bolseiros vivem».
metade por pagar
em resposta ao sol, fonte oficial da fct admite que dos 2.216 bolseiros seleccionados, só cerca de metade começou a receber. mas refuta responsabilidades :«não se pode dizer que existam atrasos no pagamento aos bolseiros de investigação da fct. o que acontece é que existem processos relativos ao concurso de bolsas de 2011 cuja execução ainda não se iniciou por não estar terminado o respectivo processo de atribuição».
este organismo alega que o pagamento só arranca quando os serviços verificam todos os documentos. será esta situação a provocar a demora. além disso, «há processos que ainda não estão completos e que ainda estão no prazo legal para serem completados».