há uma semana foi o chef convidado no hotel martinhal, em sagres, e fez questão de criar um menu com produtos locais. é um ponto de honra?
quando vou fazer um trabalho como chef convidado, para mim, funciona como uma troca. se levo tudo feito, a equipa que lá está vai usufruir pouco da minha presença ali, por isso prefiro fazer as coisas no local. além disto, prefiro trabalhar com o produto local, que é o mais fresco possível. temos de explorar o que é nosso. os chefs têm de unir forças com os produtores para mostrarem o que de melhor o país tem. isso já está a acontecer com os vinhos, e agora também com os queijos e os enchidos. um turista quer provar o que é nacional.
por que acha que, durante anos, não promovemos o que é nosso?
falta de estratégia. o governo e o turismo de portugal ainda não perceberam que a cozinha deve ser tão acarinhada como outras áreas da cultura.
era importante termos mais estrelas michelin em lisboa?
para uma capital europeia só temos dois restaurantes com estrelas michelin. isto demonstra que, pelo menos por enquanto, esse não é o nosso mercado. come-se muito bem, mas não é isso que procuram em lisboa. a verdade é que, se quiséssemos todos estrelas michelin, íamos todos falir, ou pelo menos a maioria. não há mercado.
mas as estrelas michelin continuam a ser o grande objectivo dos chefs?
se o meu objectivo fosse esse não estava em portugal. já quis ganhar e talvez, no futuro, volte a ter esse objectivo. às tantas percebi que não pode ser esse o objectivo, o objectivo é que o meu negocio seja rentável.
com a actual crise e o aumento do iva para a restauração é cada vez mais difícil manter o alma aberto?
estamos constantemente a fazer contas. já se sentia a crise e ainda mais agora, com a violência do pagamento do primeiro iva. estamos com facturações substancialmente inferiores, no entanto, pagamos mais 150 ou 200 % de iva. dizem que vamos dar a volta, mas quando? mas nunca fui de ficar de braços cruzados. no alma gasta-se, no mínimo, 50 euros por pessoa, e sei que pouca gente o pode pagar, principalmente portugueses. daí focar-me cada vez mais no mercado internacional. tenho recebido convites e vou a fortaleza, a singapura… para dar a conhecer a nossa cozinha e atrair estrangeiros. se não tivesse o mercado estrangeiro já tinha fechado portas.
ajuda o facto de ser uma figura conhecida pelos programas na televisão…
sim. imagino quem não tem isso… hoje em dia o marketing faz 50% do trabalho. infelizmente, por vezes, até sobressai mais do que a qualidade.
arrancou recentemente com mais uma temporada do seu programa ingrediente secreto, na rtp2. é muito abordado na rua por pessoas que querem discutir receitas?
cada vez mais, até porque cada vez vou mais ao encontro das pessoas: sou um chef de cozinha que apresenta um programa com receitas simples, ingredientes acessíveis, baratos e saudáveis. quer com o programa quer com os livros, as pessoas dizem-me que fizeram este prato ou aquele, que o marido começou a cozinhar por minha causa, que a mulher está sempre a fazer pratos do programa…
lida bem com o lado de estrela dos chefs? sobretudo quando, nos últimos meses, devido a um namoro mediático, passou a aparecer regularmente nas revistas?
acho que este fenómeno se deve ao facto de a cozinha fazer parte do nosso dia-a-dia. ir ao restaurante do gordon ramsay é como ir a um concerto, porque são ambas experiências que dão imenso prazer. é fácil ver um chef como um ídolo. um actor de novela entretém, mas um cozinheiro mexe com o dia-a-dia, com o bem-estar, com a saúde, marca momentos de família. quanto ao resto, sou transparente e acho que não devemos condicionar a nossa vida por causa da imprensa.
foi um dos chefs convidados por anthony bourdain para participar no episódio de no reservations sobre lisboa. como correu a experiência?
gostei de o conhecer, é uma pessoa transparente, apesar de se notar que está cansado, o que é compreensível pois faz isto há dez anos. adorei a forma como mostraram a parte antiga de lisboa, mas acho que o mood, o sentimento, da lisboa que vivemos actualmente não é o que está ali. vivemos dificuldades? claro que sim. não somos muito efusivos? concordo. mas não somos coitadinhos que acabámos de sair de uma ditadura. mostra uma nova geração de cozinheiros e produtos fantásticos, mas fiquei triste com a imagem passada pelo lobo antunes, a carminho…
se pensar no momento em que começou a sentir interesse na cozinha e olhar para o ponto em que se encontra actualmente, aos 35 anos, era este o percurso que desejava?
sim, mas nunca imaginei que o teria feito com a rapidez com que fiz. sempre fui ambicioso e quando entrei para a cozinha sabia que tinha encontrado o que queria fazer para o resto da vida. mas não sabia como seria o meu percurso. o que me dá mais prazer na cozinha continua a ser dar prazer às outras pessoas. como aconteceu agora no martinhal, em que um casal que esteve presente no jantar que preparei, escreveu no livro de agradecimentos que viveram uma refeição única na vida. assim vale a pena. mesmo quando se passam 12 horas, ou mais, na cozinha.