a forma como um pequeno país arrastou a maior economia mundial, a zona euro, para a mais grave crise da sua história será escrita e reescrita no futuro. mas o aspecto mais curioso de uma odisseia conhecida pelos resgates financeiros, austeridade, referendos inesperados, eleições, contágios e manifestações violentas está no facto de o ‘rastilho’ se ter acendido no local mais improvável de todos: o monte athos, conhecido por ser o local mais sagrado e puro em todo o mundo.
o monte athos é um lugar especial. situado numa península no norte da grécia, na região de macedónia, em frente ao mar egeu, é um estado dentro da grécia, uma espécie de vaticano ortodoxo. é constituído por 22 mosteiros, onde vivem milhares de monges e onde as mulheres estão proibidas de entrar. os visitantes – a grande maioria fiéis – necessitam de um visto especial e as listas de espera duram meses. mas não só. é também o único local em todo o globo que ainda usa o horário bizantino, onde o dia começa não à meia-noite mas ao pôr-do-sol.
o monge-empresário
porém, não é só o estatuto e o tempo que são particulares no monte athos. os seus habitantes, também. num dos maiores mosteiros da região, o vatopedi, os monges lembraram-se que, após alguns anos a recolher verbas para a reconstrução e melhoramento do seu mosteiro – que incluiu doações de vários governos europeus e muitos fundos comunitários – seria uma boa ideia misturar a fé e o dinheiro. ser pessoa de fé era um trunfo na hora de pedir financiamento e o dinheiro, afinal, tinha o poder de ser multiplicado além do próprio mosteiro, sobretudo se aplicado em imobiliário. vatopedi, além de mosteiro, tornava-se num verdadeiro fundo de investimento que se estima ter hoje activos superiores a mil milhões de euros.
um dos negócios propostos em 2008 pelos monges de vatopedi foi a troca de um simples lago em athos – avaliado em cerca de 50 milhões de euros – por mais de 70 valiosos terrenos espalhados pelo país pertencentes ao ministério da agricultura helénico._a_operação era ruinosa para o estado – as perdas são estimadas em 150 milhões de euros – e acabou aprovada com recurso a ‘luvas’ a ministros. porém, o esquema foi descoberto pelas autoridades e o negócio acabou na praça pública.
governo cai com escândalo
o escândalo vatopedi marcou o ponto de viragem na grécia e por arrasto, na europa. a operação foi anulada, dois ministros foram demitidos e três monges foram acusados de corrupção – ao contrário de qualquer membro do governo. as ondas de choque do caso vatopedi acabou por precipitar a queda do governo de direita de kostas karamanlis (do partido nova democracia), já minado por vários casos de corrupção. em outubro de 2009, a grécia seguia para eleições.
a vitória nas urnas de georgios papandreu do partido socialista (pasok), marcou mais uma etapa da rotatividade histórica entre os principais partidos na grécia. mas papandreu, numa manobra de desmarcação do anterior primeiro-ministro, decidiu fazer algo nunca visto entre os políticos helénicos e contar a verdade face às contas públicas: o défice era afinal quatro vezes superior ao esperado (12% do pib) e a dívida pública superior a 400 mil milhões de euros. a comissão europeia mostrou-se escandalizada mas há anos que sabia que as contas de atenas não eram fidedignas – entre 2000 e 2007, a grécia falhou as metas do pec oito vezes, ou seja todos os anos.
afinal, grécia não é alemanha
mas pior foi o timing da honestidade nos mercados financeiros. a revelação de papandreu ocorre um ano depois da queda do lehman brothers nos eua, que provocou a pior vaga da crise financeira global, o fim da banca de investimento em wall street e o resgate das maiores empresas norte-americanas (da aig à general motors). com os investidores nervosos, a revelação de que um membro da zona euro podia ocultar durante anos um défice e uma dívida várias vezes inferior ao real despertou os mercados financeiros para um facto que durante muito tempo não quiseram valorizar: os países da zona euro são muito diferentes e não existe qualquer lógica para que uma alemanha – que exporta automóveis e engenharia – tenha um risco e pague juros semelhantes a um país como a grécia que vive da agricultura e onde apenas 30% da população paga impostos.