Um Europeu contra a cortina de ferro

A prova destapou feridas por sarar nas nações do Leste europeu

o primeiro europeu de futebol a disputar no leste após o fim da guerra fria destapou as feridas que ainda estão por sarar no velho continente. e até poderá começar com vladimir putin no camarote presidencial em varsóvia, sem o homólogo polaco.

militante na primeira divisão regional da ucrânia, o pogon lwów tem um longo caminho a percorrer se quiser recuperar o estatuto que detinha após vencer quatro campeonatos nacionais de futebol da polónia durante a década de 1920. o maior clube da cidade onde nasceu o primeiro esboço da federação polaca de futebol, em 1911, regressou em 2009 depois de ter desaparecido em 1939, quando o início da ii guerra mundial e a ocupação soviética do território tornaram lwów em lviv. hoje parte da ucrânia, a cidade recebe a estreia de portugal no euro-2012, no dia 9 de junho, frente à alemanha.

o conflito deixaria outras marcas na polónia, além das novas fronteiras. no campo futebolístico, o mais visível ergueu-se em 1955: o novo estádio nacional, em varsóvia, era inaugurado com o nome de ‘10.º aniversário’ em homenagem ao manifesto do comité pela libertação da polónia que uma década antes esclarecera de que lado da cortina de ferro ficava o país, numa europa cada vez mais dividida ao meio.

mais de meio século depois, em abril de 2007, a uefa decidia atribuir à ucrânia e polónia a organização da primeira grande competição desportiva no leste europeu após o final da guerra fria. desde então, os 40 mil milhões de euros de investimento anunciado em novas estradas, linhas férreas, aeroportos e todo o tipo de infra-estruturas – os estádios representam apenas 6% do montante – ajudaram a desenterrar histórias que reflectem o passado do velho continente.

o fim de um símbolo e o renascimento de outro

em varsóvia, o desenterrar ganha sentido literal: o estádio 10.º aniversário foi símbolo do regime comunista enquanto houve dinheiro. na década de 1980, as cadeiras de madeira recuperada dos escombros do gueto de varsóvia foram sendo substituídas pela erva daninha que denunciava o abandono a que o complexo fora sujeito. e com a erva cresceu também aquela que ganharia a fama de ser a maior feira a céu aberto na europa – o mercado russo.

a 14 de janeiro de 2010, o new poland express anunciava o fim da «atracção mais absurda de varsóvia», o «local favorito» dos habitantes da capital polaca quando a missão era «comprar prendas do dia de são valentim». naquela margem do rio vístula voltava a erguer-se um estádio de futebol, o novo e moderno estádio nacional.

ao mesmo tempo o renascimento do pogon lwów causava mais furor na polónia do que na sua cidade, onde nenhum dos clubes ucranianos fundados nos últimos 50 anos conseguiu alcançar semelhante notoriedade. os descendentes de polacos que sobreviveram à chacina étnica que se seguiu à ocupação soviética receberam promessas de apoio de deputados polacos, empenhados em ver o histórico emblema nos principais escalões do futebol ucraniano.

mas após subir até à primeira divisão regional, a quinta a nível nacional, o clube enfrentava de novo o abismo: «a existência do pogon lwów está ameaçada, não pela agressão, como em 1939, mas pela indiferença», alertava o presidente, mark horban. para manter viva «a bela tradição do desporto polaco em lviv» o clube precisava de novos apoios.

e foi do seu país de origem que chegaram: a pkp cargo, empresa ligada aos caminhos-de-ferro da polónia, apresentou-se como principal patrocinador. e adeptos do slask de wroclaw, actual campeão polaco, e do légia de varsóvia, um dos históricos do país, organizaram recolhas de fundos destinados ao financiamento do pogon, que assim pode continuar a ambicionar a escalada no futebol ucraniano.

na capital da polónia as autoridades respiravam de alívio devido ao fim de  um mercado onde foram detidos cerca de 25 mil vendedores ambulantes entre 1995 e 2001. segundo a wprost magazine, movimentavam-se ali, por dia, 30 mil cd piratas e 10 mil litros de bebidas alcoólicas importadas ilegalmente.

nuno.e.lima@sol.pt