não é comum a vida deste escritor norueguês, de quem acaba de sair, em portugal, os caçadores de cabeças (dom_quixote), que parte do submundo da arte para entrar em conspirações e assassínios na elite industrial e financeira – levado ao cinema por morten tyldum, em 2011, foi o filme norueguês mais visto de sempre, estando agora a estrear pela europa.
todo este sucesso literário aconteceu quase por acidente. aquela que era suposta ter sido a sua carreira está nos antípodas das letras. jo nesbo cresceu a acreditar que seria jogador de futebol. «tinha algum talento. jogava na primeira liga norueguesa aos 17 anos», conta por telefone ao sol. «mas há muitos jogadores talentosos que atingem o seu pico aos 19 anos e nunca chegam a cumprir a promessa». se este seria o caso ou se se acabaria por se transformar num bota de ouro, nesbo nunca saberá. uma ruptura de ligamentos nos dois pés afastou-o dos relvados. foi um alívio. nesbo suspeita que nunca teria cumprido as expectativas.«agora toda a gente se lembra de mim como a grande promessa. o grande jogador», diz bem-disposto.
acabado o futebol virou-se para a música. começou a tocar numa banda, com o irmão, ainda estudante (licenciou-se em economia). os di derre foram um sucesso quase imediato. «não sei se éramos os melhores músicos, mas escrevíamos boas canções e dávamos bons espectáculos». sem nunca deixar a música, ou a banda, começou a trabalhar como corretor de bolsa. «foi dos empregos mais fáceis que já tive. não é preciso ter talento. o importante é ser implacável e ganancioso. não gostava, mas foi o dinheiro mais fácil que já ganhei». tornou-se cada vez mais difícil conciliar a música e bolsa. davam imensos concertos e faziam uma «fortuna» a tocar, mas nesbo insistia em não desistir dos mercados.«não queria ser músico a tempo inteiro. queria que fosse divertido, não que fosse o meu emprego». depois de um ano em que os di derre deram 180 concertos, ficou esgotado. tirou uma licença de seis meses, informou a banda de que não iria em tournée e enfiou-se num avião rumo à austrália.
o voo mudou-lhe a vida. mal se sentou, abriu o computador e começou a escrever. criou a sua personagem mais famosa, o detective harry hole, que viria a protagonizar quase todos os seus livros, e o enredo para o seu primeiro romance (the bat). não tinha grandes expectativas de que viesse a ser editado.«quais as hipóteses de uma primeira tentativa de escrita ser publicada? pensei que ia escrever algo que não me tomasse muito tempo, uma história policial simples, com pés e cabeça, que não me deixasse de coração partido se não fosse publicada».
quando enviou o manuscrito para a editora fê-lo sob pseudónimo. não queria que o facto de ser um músico famoso influenciasse a decisão. quando os editores lhe anunciaram que o iam publicar, perguntaram por que não tinha assinado.«disse-lhes: ‘bem, porque sou o jo nesbo, canto numa banda famosa’. tinham ouvido falar da banda mas nunca tinham ouvido falar de mim. não era tão famoso quanto isso». o livro publicou-se e foi um êxito junto da crítica. recebeu prémios como o de melhor romance norueguês do ano e de melhor romance policial escandinavo. no entanto, só o terceiro livro, o pássaro de peito vermelho, se transformou num bestseller.
foi aí que o público se apaixonou por harry hole, detective mais perto do noir americano do que da tradição escandinava. cínico, romântico e idealista.«é um alcoólico, um solitário, com problemas no trabalho e um passado trágico. o tipo de pessoa disposta a morrer em funções porque o trabalho é tudo o que tem», descreve nesbo, admitindo alguma falta de originalidade no perfil, a roçar o cliché. «achei que já tinha sido feito antes, que devia inventar outra coisa qualquer. mas depois decidi que podia navegar no que os outros tinham feito. tinha de seguir o meu coração e criar a personagem que me interessava. já tudo foi feito antes. é uma questão de tentar fazer melhor. estamos em cima de ombros de gigantes, a escrever o próximo capítulo de uma longa tradição. é preciso aceitá-lo».
no entanto, jo nesbo afirma não se ver como fazendo parte de uma vaga do policial escandinavo.«sou um escritor individual» explica. «escrever é um trabalho muito solitário. além disso, antes de começar a escrever, não era um grande leitor de policiais, muito menos escandinavos. li uns dez romances do género. penso que os leitores serão muito mais peritos em ficção policial escandinava do que eu».
o que não invalida que, por todo o mundo, tenha sido promovido pelas editoras e pela imprensa como o próximo stieg larsson (escritor e jornalista sueco, falecido em 2004, autor da trilogia millennium, responsável pelo boom do policial escandinavo), mesmo tendo começado a publicar antes dele.«rio-me disso. quando me perguntam como me sinto por dizerem que sou o próximo stieg larsson, respondo: ‘podia ser pior, podiam dizer que era o próximo dan brown’. vamos sempre ser comparados a alguém. a minha ambição é que, no futuro, jovens talentosos escritores de policiais sejam referidos como o próximo jo nesbo».
certo é que, cada vez mais, nesbo dispensa apresentações. recentemente, assinou contrato com martin scorsese (shutter island, entre inimigos, taxi driver), que irá realizar the snowman, o sétimo livro protagonizado por harry hole, e o mais vendido de nesbo. e, ao que parece, a escolha de scorsese foi do próprio escritor.
corre-lhe bem a vida, longe dos tempos que em aceitava qualquer proposta de emprego para sobreviver. de resto, não se arrepende de nada do que fez até chegar aqui: «foi bom ter trabalhado numa fábrica, como condutor de táxis, num barco. fiz uma série de coisas antes de começar a escrever. ter tido uma vida, ter viajado muito, ajuda-me na escrita».mas não vai descansar à sombra do sucesso de hole. aliás, já tem preparado um fim para harry hole.«tenho uma história para ele, um guião para a sua vida. mas não vou dizer quantos romances ainda vou escrever, porque não quero dizer como vai acabar». o próximo pode ser o último.