ter formação em rádio é essencial para se fazer um bom relato televisivo?
o estilo que utilizo na televisão, com mais dinâmica, tem muito a ver com a experiência que continuo a adquirir na rádio. é óbvio que não posso ser tão descritivo, porque a imagem não exige uma descrição tão detalhada, mas o ritmo que empresto à narração televisiva tem muito a ver com a rádio.
foi fácil fazer a mudança de registo?
no início, senti muitas dificuldades, porque se convencionou que há um estilo comum, mais pausado, aos narradores. e eu procurei transportar um pouco do entusiasmo da rádio para a televisão, porque o futebol é um jogo de paixões e emoções. mas como as pessoas não estavam adaptadas àquele estilo, tive de corrigir, nomeadamente na descrição.
mas essa foi uma percepção sua, ou ouviu críticas que o levaram a mudar?
apercebi-me depois de ouvir o que estava a fazer na tv. há pessoas que me dizem que eu não deveria ter perdido algo que era genuíno, mas o equilíbrio era preciso, porque na televisão falamos para um público muito mais diversificado do que aquele que procura o relato da rádio. agora, é preciso que as pessoas entendam que, de cada vez que digo uma curiosidade sobre a vida ou o rendimento de um jogador, estou a ser útil ao espectador, porque se eu der só o nome estou a ser redundante – isso já o espectador sabe.
mas gosta mais dos relatos de futebol na rádio ou na televisão?
aquilo que mais prazer me dá é fazer um relato na rádio, sempre foi o meu sonho. não é um capricho; acho que nasci para isso. é por esta razão que continuo a fazer relatos para a antena 1, porque poderia estar só na rtp. e tenho pena de não fazer mais jogos para a rádio.
diz que nasceu para isto e a verdade é que começou aos 13 anos.
sou de aljustrel e já com sete ou oito anos tinha por hábito fazer relatos de futebol com os amigos, à volta de uma mesa. mas aos 13 anos disse: ‘quero ser relator e vou ser relator já’. liguei para a antena 1, alguém atendeu e disse-me: ‘meu caro amigo, você tem 13 anos e vive no alentejo. tenha calma, estude, cresça e depois apareça’. desliguei e não me dei por vencido. então, liguei para a rádio mais perto da minha terra, a rádio castrense, e falei com o director que, num acto de coragem, me disse: ‘vem fazer um jogo’. fui e, no intervalo, ele disse-me que poderia ficar. a partir daí, iniciei a minha carreira: ao fim de semana fazia relatos de futebol dos distritais e da terceira divisão, até chegar à tsf.
e lembra-se das equipas desse seu primeiro relato?
foi um castrense-boavista dos pinheiros. ainda tenho a gravação, que guardo com muito orgulho. de vez em quando, ouço-a para saber de onde parti e onde estou. e estou muito diferente!
como é que começa nestas lides aos 13 anos e não fala ‘futebolês’?
quando cheguei à tsf, aos 18 anos, tive uma conversa com o antónio jorge branco, que era o formador dos jornalistas. ele chamou-me e perguntou-me se eu tocava algum instrumento. lá respondi que tocava bateria, nas horas vagas. e ele reagiu: ‘bem me parecia que tinhas bom ouvido. é que tu estás a repetir muitos dos disparates que ouves. se queres fazer bem o teu trabalho, não podes utilizar o futebolês’. a partir dali, foi remédio santo.
mas é fácil não cair na tentação das frases feitas?
um relato não é fácil, mas eu não me recordo de alguma vez ter dito ‘esférico’ em vez de bola. há uma ou outra frase que sai – é inevitável. só quem não faz é que não sabe a dificuldade de um relato, que obriga a rapidez de raciocínio e a muita concentração. o maior desafio é mesmo fugir ao futebolês. mas pode ser uma muleta fundamental para me apoiar, numa ou noutra ocasião…
um jornalista de desporto trabalha com a mesma isenção que um jornalista de política?
sem dúvida. sendo que o desporto tem uma componente que marca a diferença: a paixão. o futebol, em particular, tira a razão às pessoas quando olham para o nosso trabalho. é muito mais fácil colocar em causa o distanciamento de um jornalista no desporto do que na política. as pessoas são capazes de entrar numa zanga por causa do futebol, e dificilmente o fazem por causas políticas. e isso faz com que o jornalista também seja apontado como alvo.
os adeptos já o rotularam com algum clube?
o maior elogio é quando erram! já ouvi dizer que sou portista, benfiquista ou sportinguista ferrenho, mas quando estou a fazer o meu trabalho não me sinto condicionado.
essa sua atitude muda quando se trata de um jogo da selecção?
se eu gritar o golo de uma equipa que esteja a jogar contra portugal – que espero que não aconteça – será chocante. a selecção nacional é um caso à parte. é o nosso país e algo que não se explica.
mas também é preciso haver distanciamento?
quando estou a fazer a narração de um jogo, o equilíbrio entre a razão e a emoção torna-se difícil. não quero que seja uma coisa muito festiva, mas, por outro lado, entendo que deva fazer transparecer esse sentimento que é comum a todos. agora, também já tive ocasião de criticar a selecção, e não tenho nenhuma relação de promiscuidade com ninguém.
mas tem amigos no futebol?
sim. mas não somos amigos de casa.
os portugueses estão pouco entusiasmados com o euro 2012. ainda vamos ser surpreendidos pelo desempenho da equipa?
pode ser bom para a equipa não entrar num estado de euforia.
mas acha que paulo bento traz alguma tranquilidade?
não tem a capacidade de ir ao encontro dos portugueses como scolari. o scolari procurava despertar as pessoas, e não só os jogadores, com detalhes, como as bandeiras nas janelas, o roberto leal a cantar no estágio… isso não depende apenas da vontade, mas do talento de cada um para proporcionar esse ambiente. o paulo bento é um treinador de grande qualidade, é uma pessoa muito equilibrada, com a tal tranquilidade que lhe é conhecida, mas não vende falsas expectativas.