O dilema atacante na cabeça espanhola

A Espanha tem um falso avançado com os mesmos golos que um goleador de raiz

no final do jogo de ontem, a obrigação de keith andrews o infeliz irlandês que falou perante as câmaras logo após a derrota, por quatro golos sem resposta, com a espanha. entre as palavras que saíram da sua boca, ouviu-se a confissão de que, durante todo o jogo, os irlandeses «andaram a perseguir sombras». ontem, uma delas foi a de fernando torres, a sombra mais fixa lá na frente de ataque, que tantos reclamaram faltar contra a itália, quando foi cèsc fabregas o titular.

nesse encontro inaugural, o seleccionador vicente del bosque optou por atirar uma equipa inicial sem qualquer avançado de origem, recheada antes com seis médios em campo. a mente de todos, mas especialmente a de quatro deles – david silva, andrés iniesta, xavi e fabregas -, sabia que a posição de ponta de lança deveria estar sempre ocupada por um espanhol.

o treinador escolheu este método para contrariar os três centrais com que a itália iniciara o jogo, secundados por dois laterais e por uma tripla a meio campo. em teoria, terá pensado que seria mais fácil descobrir espaços na defesa da squadra azzurra através de desmarcações vindas de trás, ou nas imediações da grande área, que trocassem as marcações aos jogadores italianos.

o golo espanhol surgiria assim mesmo, quando um passe de silva foi para aos pés de um fabregas que começara a sua corrida ainda fora da área. a posta de del bosque deu-lhe um golo, uma aposta que arrancou da fórmula que pep guardiola já aplicara ao antigo cèsc, quando este chegou no verão ao clube.

tapado por xavi e iniesta a meio campo, e com guardiola a não abdicar da referência defensiva que vê em sergio busquets, o treinador tentou colocar fabregas como falso avançado da equipa, também face à lesão de david villa. certo é que, até ao natal, o ex-jogador do arsenal foi o médio (de origem) que mais golos marcou em espanha. os elogios, aí, começaram a chover.

o problema de fabregas, porém, é que del bosque pensa da mesma maneira que guardiola: xavi e iniesta são imprescindíveis, e insiste em manter busquets ao lado de xabi alonso à frente da defesa. ora, assim, resta pouco ou nenhum espaço para o catalão.

apesar do seu golo frente à itália, viu-se que a espanha teve dificuldades em furar a muralha do adversário. os seus médios que tinha em campo deram-lhe o habitual domínio na posse de bola e a as trocas de passes curtos e rápidos. as trocas de posições entre os espanhóis abriam espaços no meio campo italiano, mas, abertos estes espaços, muitas vezes não estava, mais à frente, outro espanhol para receber a bola e tentar rematar à baliza.

fabregas tentava lá estar, mas recuava muitas vezes para tabelar com os companheiros, obrigando david silva ou iniesta, ainda mais pequenos em estatura, a ocuparem o seu lugar no meio dos centrais italianos.

mas ontem, nesse espaço, fernando torres respondeu com dois golos. diante de uma irlanda, mais frágil, é certo, o avançando espanhol foi titular e, logo na primeira vez que tocou na bola, rematou-a para dentro da baliza. a sua presença no ataque permitiu uma maior verticalidade no último passe espanhol, que em torres encontra um jogador que pode receber a bola tanto no pé, mais para combinar em jogadas com os colegas, ou no espaço, em desmarcações, algo mais habitual nele. fabregas, mesmo com a sua eficácia diante da baliza, é mais um jogador de receber passes quando está parado, no pé, não estando na sua natureza as desmarcações e movimentos típicos de um avançado.

assim, torres oferece velocidade, poder de explosão, desmarcações no espaço e uma referência na área. fabregas dá à equipa o seu passe e toque de bola em zonas mais avançadas, uma ajuda ao meio campo e outra forma de ‘desmontar’ defesas. ambos dão até agora golos, dois cada um.

ontem, ao marcar o seu, fabregas celebrou com um gesto de raiva, algo fechado para si, num casulo de frustração por, quiçá uma vez mais, estar a perder a corrida da titularidade na selecção espanhol. no último europeu, em 2008, esteve em todos os jogos, mas nunca de início.

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