os 12 funcionários da ecolã, alguns deles com mais de 40 anos de casa, certamente esperariam um grupo de empresários engravatados e de meia-idade. em vez disso, surgiu um quarteto com uma média de idades de 30 anos e roupa desportiva, munido de máquinas fotográficas e encabeçado pelo presidente chirima hirai. o objectivo da visita era acompanhar o ciclo de transformação da lã, desde a tosquia até ao produto final, e captar os momentos cruciais em vídeo e fotografia, para divulgação no site da scope. a curiosidade dos japoneses pelo processo maioritariamente manual e totalmente ecológico levou à organização da visita, que foi planeada ao longo de meio ano. durante quatro dias, assistiram a tosquias, viram as pastagens e observaram o processo de tecelagem e demais etapas que traduzem um saber ancestral.
«eles não estavam desconfiados. os nossos produtos marcaram-nos, mas ver o processo é diferente de ler um texto», explicou joão clara. a produção da ecolã tem «certificação ecológica e artesanal», o que foi fundamental para a entrada no mercado japonês. os teares e demais máquinas que intervêm já têm várias décadas, todos os produtos são acabados manualmente e as matérias-primas não têm transformações químicas, o que atraiu um segmento médio-alto, que valoriza a protecção do ambiente. tão ou mais importante do que isso, a qualidade dos produtos é altamente valorizada. «muitas pessoas dizem-me que se têm um cobertor da ecolã não precisam de outros. os clientes confiam nos produtos, porque eles fazem tudo desde o início, desde a tosquia. é isso que os torna únicos: se visitar o nosso site vai ver muitas marcas de design, mas a ecolã é a única que tem esta forma de trabalhar», sublinhou chirima hirai ao sol.
da tosquia ao produto final
o município de manteigas é reconhecido desde o século xii pela actividade no sector dos lanifícios e pela qualidade da sua lã, mas o têxtil também tem vindo a decair de forma acentuada na região. a própria vila, com cerca de 2.800 habitantes, perde população ano após ano. a ecolã, com a sua estratégia exportadora, é uma espécie de oásis: depois desta visita, joão clara diz ter indicações de que os japoneses poderão duplicar as encomendas – que já têm vindo a subir gradualmente – e ocupar a força de trabalho durante metade do ano. em 2011, compraram mais de 100 mil euros em produtos, num total de facturação que rondou os 300 mil euros. «temos um volume de negócios simpático, mas que não traduz a nossa relevância social. quatro ou cinco ‘ecolãs’ resolviam o problema do emprego em manteigas», observa joão clara.
a empresa acompanha todo o ciclo de produção, desde a tosquia (com compra directa aos pastores de lã de ovelhã bordaleira da serra da estrela) e respectiva lavagem até à fiação, tecelagem e ultimação do produto. a maioria dos artigos é destinada ao lar (cobertores, mantas, colchas, tapetes e toalhas), mas a ecolã também produz casacos, capas, echarpes, coletes, cachecóis, malas e chinelos. a scope poderá, este ano, encomendar pela primeira vez alguma roupa.
mesmo desgastada por 16 horas de voo, a comitiva japonesa visitou a ecolã na tarde da chegada a manteigas, tendo dado máxima atenção aos detalhes e registando todos os momentos em vídeo ou fotografia. momentos antes, depois de ultrapassadas as curvas e contracurvas da estrada nacional, tinham sido recebidos informalmente na câmara municipal. joão clara liderou a visita à fábrica, comunicando em castelhano com rika tamaki, assistente de chirima hirai, que fazia a respectiva tradução. os teares e as velhas máquinas foram postos em funcionamento, para encanto do quarteto. ruidosos e lentos, estes ‘monstros’ têm um ritmo incompatível com a produção moderna de têxteis, mas proporcionam um toque macio que hirai não se cansou de testar. a mais antiga das máquinas vem do tempo do avô de joão clara, que fundou a unidade: foi produzida pela histórica lucas, da covilhã, e data dos anos 1940.
a aprovação de vítor gaspar
se não fosse esta forma de confecção, a ecolã nunca teria sobrevivido. em 1995, joão clara saiu de lisboa, onde viveu durante quase 30 anos, para regressar à terra natal e «fechar» esta unidade familiar. «já nasci no meio da lã, a cheirar lã, mas achei que não percebia nada disto e que tinha de me ir embora. acabei por me entusiasmar e ficar por cá», recorda o empresário, de 57 anos, que percebeu que poderia encontrar um nicho de mercado que mantivesse os métodos de fabrico ancestrais. numa das dezenas de feiras que percorre por ano, em portugal, encontrou-se com um distribuidor japonês, que lhe abriu as portas desse mercado e permitiu o encontro com a scope.
«a ecolã chamou-me a atenção por causa do processo de produção. eles fazem os artigos da forma certa e autêntica. temos muitos produtos escandinavos e cobertores da finlândia, mas não se comparam com os daqui, que vendem muito mais na nossa loja», garante chirima hirai. encantado com a paisagem de manteigas, vila situada no fundo do vale glaciar do zêzere e por isso rodeada de montanhas e frondosas árvores, hirai chegou a confessar que gostaria de viver ali. conhecedor da crise económica que assola portugal «através dos jornais», o japonês esclarece que isso não tem qualquer influência nas suas encomendas: «se o produto é bom, compramos. este é o cobertor número um».
curiosamente, o ministro das finanças vítor gaspar conhece a ecolã, até porque tem ligações familiares a manteigas, através do seu pai, que nasceu na vila. «lembro-me de o ver no carro do avô, um morris pequenino», conta joão clara, que travou amizade com o economista, seis anos mais novo. «ele vinha de lisboa passar férias e conhecia pouca gente aqui. quando cá esteve recentemente tive muito prazer de o rever. viu a ecolã, constatou a nossa realidade e gostou». mesmo que seja um pequeno contributo, a empresa ajuda a equilibrar a balança comercial portuguesa.
além do japão, a ecolã vende para a europa, nomeadamente alemanha e itália. com a marca sennes (uma parceria entre joão clara e a designer belga nele de block), são aqui produzidos acessórios e vestuário com características igualmente ecológicas e desenho minimalista. «uma das malas foi apontada como tendência pela vogue e disseram-nos que foi muito elogiada pela anna wintour [editora-chefe]. tudo o que ela aprova torna-se de imediato moda», comentou antónio costa, o braço direito de clara na ecolã. por isso, não se surpreenda muito se encontrar em tóquio, paris ou nova iorque uma etiqueta com a indicação ‘100 por cento lã natural, manteigas, made in portugal’.
