Espanha teve um tratamento suave

1. Pensa que a Comissão Europeia deu um tratamento mais favorável a Espanha – com o financiamento de 100 mil milhões para a banca – do que a Portugal, Irlanda ou Grécia? E essa ajuda financeira a Espanha pode revelar-se positiva para Portugal?

é óbvio que espanha teve um tratamento mais suave. mas a situação espanhola é diferente, em muitos aspectos. diferente, para pior: na debilidade do sistema financeiro e na taxa de desemprego. e, apesar de tudo, a sua posição – nos mercados da dívida, por exemplo – não atingiu os níveis dos países resgatados. pelo menos, por enquanto.

as circunstâncias são também diferentes: portugal negociou o resgate antes de eleições na grécia e da saída de sarkozy. digamos que negociou no auge da força das receitas ortodoxas europeias. acresce que essa negociação foi conduzida por um governo que estava de saída, que não gozava de apoio maioritário no parlamento e que tinha sido derrubado. em espanha, é tudo ao contrário: o governo tem maioria e está absolutamente legitimado por eleições recentes.

a memória, nos tempos que correm, é cada vez mais curta. mas é bom lembrar que foi assim que portugal negociou. houve quem, logo em 2009, tivesse defendido um governo de salvação nacional. só que, depois de quatro anos de ‘boa moeda’ em maioria absoluta, tivemos mais ano e meio em minoria. no estado em que o país, a europa e o mundo se encontravam, foi um erro enorme. recorde-se que a crise do subprime começou no 2.º semestre de 2008.

o que aqui digo não é só para cavaco silva. se tivesse sido só o presidente…

espanha tem uma solução melhor? tem! mas a situação é diferente e as condições para negociar, também. essa é a grande questão.

2. acredita que as eleições na grécia e em frança, no próximo domingo, vão confirmar um reforço eleitoral dos partidos de esquerda?

é quase tão certo ‘como dois e dois serem quatro’… então, se em frança chegaram as bodas socialistas, com idade de reforma aos 60 anos, com medidas simpáticas para os eleitores, seria de esperar algo diverso?

quanto à grécia, os ventos também sopram nesse sentido. com efeito, a europa agora está menos ortodoxa, fala mais em crescimento e não tanto em austeridade. hollande diz que os gregos não podem ser causticados e espanha tem quase o que quer das autoridades europeias. como poderão os gregos não escolher quem lhes diz que quer ficar no euro, sem ter de suportar tanta austeridade quanto a que é aceite pelos partidos tradicionais?

o que se passará a seguir é, naturalmente, outra questão. a europa – e, sobretudo, a zona euro – tem de ‘arrumar a casa’ e não pode tolerar mais indefinições. tem, talvez, de atenuar algumas doses de austeridade e, em simultâneo, de ser categórica quanto aos que desrespeitem as normas estabelecidas. não pode ir de recuo em recuo, misturados com intransigência só para alguns.

a comissão europeia, o conselho europeu e os respectivos presidentes parecem ter reencontrado um trilho programático – nomeadamente, quanto ao sistema financeiro e às estruturas que o devem supervisionar. será, logicamente, muito relevante o conselho europeu de 28 e 29 de junho. irá tomar ou confirmar as decisões essenciais depois de todos estes actos eleitorais em espanha, frança e grécia.

3. é verdade, como sugeriu no seu blogue, que pensa que o presidente cavaco silva favoreceu a estratégia e as ambições autárquicas de reeleição de antónio costa com as cerimónias do 10 de junho em lisboa?

eu limitei-me a constatar. não quero fazer críticas a cavaco silva. não tenho contas em aberto com o presidente. ainda recentemente, por declarações polémicas que fez, bem o defendi. e tenho repetido que portugal precisa muito, sobretudo nesta fase, de um presidente prestigiado. agora, factos são factos.

cavaco silva elogiou a reabilitação na mouraria – o bairro para cujas cercanias o actual presidente da câmara mudou o seu gabinete e para onde tem previstas várias obras financiadas pelo qren. bom para lisboa. mas não falou do resto da cidade. houve a inauguração, nesses dias, de lojas na ala nascente do terreiro do paço… será bom para lisboa, espera-se. mas há tanto mais para ver em lisboa, especialmente numa altura como esta.

cavaco silva não me surpreende. conheço-o bem e a importância que dá aos pormenores. um exemplo curioso, aparentemente insignificante: se repararem bem, cavaco, por regra, nunca se senta em cadeira que esteja à mesma altura que outros. na cerimónia de sábado à tarde, estavam cavaco silva e antónio costa (este, de medalhão ao peito) sozinhos num palco, com cadeirões iguais. dito assim parece ridículo, mas quem vir a imagem entenderá. os simbolismos contam muito e o actual presidente é muito dado a esses pormenores.

cavaco é cavaco.