Os milhões e os erros

A s linhas de crédito bonificadas que muito em breve serão disponibilizadas por 19 bancos comerciais a operar em Angola às micro, pequenas e médias empresas nacionais são uma verdadeira ‘chuva’ de milhões sobre a economia.

os valores em causa poderão trazer uma oportunidade única para modernizar e reconverter o grosso do tecido empresarial do país, mas a história mostra que não basta dinheiro para se conseguirem grandes mudanças. sobretudo, não bastam milhões para se alcançarem reformas estruturais – afinal, o objectivo central deste programa.

a adesão de portugal à então cee, nos anos 80 do século xx, é um bom exemplo disso. ainda que noutro registo, o país e as suas empresas receberam mais dinheiro do que nunca.

o resultado foi uma ilusão de mudança, cuja factura portugal está, hoje, a pagar com juros e sacrifício. é verdade que o país avançou, sobretudo nas infra-estruturas rodoviárias – foi a chamada época do betão dos consulados de cavaco silva. mas, nas empresas, pelo menos na maioria (as pme), as mudanças não foram de fundo.

em muitos casos, os fundos europeus serviram apenas para o enriquecimento de empresários, que investiram mais em si mesmos – em casas e carros, no fundo, em ostentação – do que nas empresas e na formação dos seus colaboradores, essencial para aumentar a produtividade e a competitividade.

o que falhou? sobretudo, a capacidade do estado fiscalizar a aplicação dos chamados fundos comunitários, que não foram canalizados para os fins a que se destinavam. o resultado está à vista: portugal é um dos países menos competitivos da europa e continua a apostar na mão-de-obra barata como factor de diferenciação. não foi gerada riqueza e o país não deu o ‘salto’ necessário.

angola e os angolanos merecem melhor – como também portugal e os portugueses mereciam. mas angola tem a vantagem de estar a arrancar com um processo que, não sendo semelhante, tem pontos em comum.

tem a oportunidade de o começar bem e executar melhor ainda. a aplicação das linhas bonificadas vai, por isso, exigir da máquina do estado uma enorme capacidade de controlo. os bancos terão uma palavra na aprovação dos créditos e em seguir o ‘rasto’ do dinheiro. mas o estado será o responsável último pela forma como os empresários o usarem – porque vai ajudar a pagá-lo.

e as gerações actuais não vão, certamente, querer que as futuras peçam contas por má gestão de recursos.