Bolha imobiliária ameaça banca

Apesar de ser negado por governantes e instituições financeiras, Portugal está a sofrer os efeitos do fim de uma bolha imobiliária que mina a sustentabilidade de todo o sistema bancário.

o fim da ‘febre do tijolo’ está diariamente a arrastar para a falência construtoras e promotoras imobiliárias, a disparar o crédito malparado para níveis históricos, e a encher os balanços dos bancos com milhares de imóveis que não serão vendidos, ou que serão vendidos a uma fracção do preço.

o ‘buraco’ da bolha imobiliária não está reflectido nas contas da banca e poderá levar a uma nova vaga de capitalização do sistema se nada for feito, afirmam especialistas ao sol.

a diferença do caso português face a outros mais conhecidos, como o espanhol ou irlandês, é que os preços da habitação nunca subiram ao ritmo destes países, o que tornou o fenómeno menos visível. «os preços nunca aumentaram muito em portugal porque a explosão da oferta foi acompanhada pela subida da procura devido à abundância de crédito barato», diz paulo soares pinho, professor da faculdade de economia da universidade nova de lisboa.

a febre do crédito

porém, avisa o docente especializado em banca, «este efeito não torna a bolha imobiliária portuguesa menos perigosa que as outras».

segundo dados do instituto nacional de estatística, o número de habitações em portugal passou de 5,019 milhões em 2001 para 5,858 milhões, em 2011. nestes dez anos, construíram-se mais de 800 mil novas casas quando a população residente subiu apenas 200 mil. ou seja, por cada novo habitante foram criadas quatro novas habitações.

portugal edificou na última década cerca de um quarto de todo o parque habitacional existente. a febre imobiliária contagiou bancos, autarquias, empresas e consumidores, tornando 74% dos portugueses donos de casa própria, uma das taxas mais elevadas da europa.

a procura era sustentada pelo crédito bancário barato, rapidamente disponível e com taxas de financiamento até 100%.

em 2010, com a chegada crise da dívida soberana na zona euro, a banca iniciou um processo de forte restrição ao crédito que fez ‘evaporar’ a procura e rebentar a bolha. sem clientes, o excesso de oferta de habitação está patente na banca, nas construtoras e nas imobiliárias. ninguém consegue comprar.

anos para escoar a oferta

o presidente da associação dos profissionais e empresas de mediação imobiliária de portugal (apemip), luís lima, diz que o mercado português tem hoje 360 mil casas por vender, 170 mil das quais por estrear. a oferta levará muitos anos a escoar. «se houvesses crédito escoava-se em cinco anos», acrescenta ricardo gomes, presidente da associação de empresas de construção e obras públicas e serviços (aecops).

desde 2010, o preço médio da habitação desceu cerca de 10% em portugal. mas nas periferias dos grandes centros urbanos como lisboa e porto, as quedas foram de 20%.

sem clientes e crédito, o sector da construção e das imobiliárias entrou num ciclo de falências que está a encher o sistema bancário de crédito malparado. hoje, mais de 40% do total de crédito vencido em portugal é da responsabilidade de imobiliárias e construtoras. os dois sectores têm dívidas de 38 mil milhões de euros à banca, dos quais 4,5 mil milhões são incobráveis. e paulo soares pinho alerta que nem todas as perdas imobiliárias estão reflectidas nas contas dos bancos, e que ninguém está a levantar o problema: «está a permitir-se que se criem nebulosas sobre a saúde da banca portuguesa».

não repetir erros

o docente universitário espera que portugal não cometa o mesmo erro de espanha, que perdeu a credibilidade nos mercados por ter mentido e negado a existência de um problema imobiliário na banca. «o governo diz que temos a banca mais capitalizada na europa, dentro de um ano poderá não ser assim», remata.

a apemip e a aecops esperam um agravamento do mercado nos próximos meses, com novos encerramentos de empresas. pedem alternativas à banca. a entrega dos imóveis para venda ao mercado de arrendamento, o uso do fundo de capitalização da troika para provisionar perdas imobiliárias, e a criação de fundos de arrendamento são algumas das propostas.

o objectivo é retomar o crédito. «a economia já fez tudo pela banca, agora é a altura de a banca fazer algo pela economia», adianta ricardo gomes.

(título alterado às 19h50)

luis.goncalves@sol.pt