Como vencemos quem só queria não sofrer golos

Os números explicam o que foi o objectivo da selecção durante todo o jogo, e um outro, distinto, que a República Checa adoptou. Portugal terminou com 20 remates apontados à baliza de Cech. Só cinco deles acertaram na baliza, é certo, mas do outro lado, Rui Patrício não tocou em nenhuma das duas bolas vindas…

a tendência mostrou-se desde o primeiro minuto do encontro, e estendeu-se quase até ao fim. porém, à medida que os segundos passavam, os checos começaram a falhar no que foram eficazes até meio da primeira parte: não deixar portugal ter a bola junto à baliza de cech.

a estratégia checa passava por juntar os seus jogadores a partir da linha do meio campo, dando liberdade a portugal para trocar a bola só entre os seus defesas. este recuar para a sua metade do campo foi um convite a joão moutinho e raul meireles para se encurralarem na metade checa do relvado, onde se movimentavam, mas não havia espaços por onde a bola pudesse passar para chegar aos seus pés.

se chegasse, não tardavam a perdê-la ou devolvê-la para trás, para os portugueses que estavam de frente para o jogo. além de anularem o par de médios portugueses, ambos os extremos checos acompanhavam sempre as subidas no terreno de joão pereira ou fábio coentrão, com ênfase para o defesa do real madrid, que teve em jiracek uma sombra constante.

do outro lado, david limbersky, o defesa esquerdo, tinha ordens para seguir nani para todo o lado, e isso ficou visível quando o extremo trocou de lado com cristiano ronaldo – o homem do manchester united conduziu a bola até ao lado esquerdo do ataque português, sempre com o mesmo adversário atrás de si.

com esta troca, aliás, paulo bento terá visto em nani uma melhor opção para tapar as eventuais subidas para o ataque de gebre selassie, o defesa direito checo, que, porém, esteve sempre mais preocupado em não largar ronaldo – que voltaria na segunda parte para o seu lado -, do que em apoiar o ataque. ou melhor, as ocasionais tentativas dos checos em sair rápido para o contra-ataque.

até cerca dos 25 minutos, portugal não se soltava desta prisão defensiva dos checos. bruno alves, cá atrás, optava por levantar a bola e lançá-la para o ataque, mas pouco acerto revelou neste aspecto.

só o infortúnio da lesão de hélder postiga, aos 40 minutos, fez com que entrasse em jogo hugo almeida que, mesmo no meio dos defesas checos, dava uma referência mais viável para disputar as bolas que viessem lançadas pelo ar para o ataque, quando os caminhos pelo chão estivessem tapados.

caminhos que, na segunda parte, começariam a ser desbravados. moutinho e meireles, ora um ou outro, começaram a estar mais perto de nani ou ronaldo, numa das alas. isto obrigava tomas hubschmann, o médio mais defensivo dos checos, a movimentar-se para compensar estas mexidas dos homens no meio campo português. o objectivo era dual: tentar criar situações de 2 contra 1 nas alas, ou abrir um buraco no centro do terreno para ser explorado.

foi numa dessas movimentações repentinas de moutinho que surgiu o golo. o médio furou pela direita, entre o defesa direito checo, que estava preocupado com nani, e o defesa central descaído para esse lado, recebeu um passe do extremo português, e cruzou a bola para a área, onde apareceu ronaldo, a antecipar-se a selassie, e a finalmente conseguir que uma bola passasse por petr cech, o guardião checo.

e só faltam seis golos para alcançar eusébio: a pantera negra marcou 41 ao serviço da selecção, e ontem, ronaldo fez o seu 35.º.

os checos montaram sempre uma muralha à frente da sua área, e nem quando sofreram o golo a desfizeram. a chave esteve na dupla entre meireles e moutinho, uma dupla que finalmente funciona e consegue apagar as queixas que adeptos e comentadores tanto apontavam à selecção – a falta de um médio organizador, de um número 10.

este foi o primeiro jogo neste europeu em que portugal teve mais bola que o adversário, em que teve que assumir o controlo do jogo, e que pela frente teve um daqueles inimigos que querem mais não sofrer golos do que marcá-los.

e a chave esteve nessa dupla portuguesa, muitas vezes a jogar em linha à frente de veloso, é certo, mas com liberdade para ambos se movimentarem livremente quando portugal tem a bola, o que confunde os adversários, pois nenhum deles se assume como a referência para onde deve chegar a bola em pés portugueses.

agora, venham os franceses ou espanhóis. a fórmula será a mesma, e a organização portuguesa já provou, e deu razões, para que a selecção não se atemorize perante nenhum adversário. e agora, claro, já temos um cristiano ronaldo a resolver jogos. 

diogo.pombo@sol.pt