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que balanço faz do primeiro ano deste governo?
superou as minhas expectativas na aplicação do programa da troika. tem sido corajoso, e até obcecado, no cumprimento das metas e isso é bom, porque transmite confiança para o exterior. onde acho que tem falhado é na aplicação de um modelo ultra liberal. com o actual nível de desemprego e o país em recessão tem de haver uma intervenção económica do estado. o governo ainda não o fez, mas vai ter de fazê-lo e já no segundo semestre.
há uma obsessão orçamental?
a opção do governo foi aplicar um modelo de eficácia rápida com a austeridade ao máximo, na esperança que depois este processo se inverta. se resultar até final do ano, direi que foi uma boa aposta, mas duvido muito. passado um ano, o que se vê é o desemprego muito acima do esperado e as empresas a falirem a um ritmo muito elevado, muitas delas viáveis.
de que forma se pode incentivar a produção?
portugal endividou-se muito com projectos que não eram rentáveis ou transaccionáveis. temos de cortar com isso. deve incentivar-se o investimento em projectos que gerem emprego, aumentem as exportações e tragam divisas.
as empresas queixam-se de que não têm dinheiro para investir…
deve aliviar-se um pouco as exigências ao sistema bancário e compreender que há empresas que têm de ser alimentadas porque são produtivas, exportam e geram emprego. a banca até tem liquidez, mas tem um conjunto de metas para os seus capitais e um processo muito grande de desalavancagem, que não lhe dá margem para emprestar. temos de voltar à industrialização do país e apostar na qualificação, especialização, registo de patentes e na atracção de capital externo.
e como se faz esse processo com salários baixos?
os salários em portugal são muito mais baixos que os do resto da europa para os mesmos empregos. portugal tem uma vantagem que é ser um back office das multinacionais estrangeiras. os economistas, engenheiros ou contabilistas são mais baratos em portugal e a sua competência não é diferente da lá de fora. não se pode cortar os recursos de forma cega, tem de haver critérios.
os portugueses aguentam a austeridade por muito mais tempo?
os portugueses já perceberam que vão ter de se adaptar a esta nova realidade. mas as pessoas sofrem e ao sofrerem reagem. penso que 2012 vai continuar sem grande inversão e que o segundo semestre será igual ou mesmo pior que o primeiro. as medidas que tomámos em termos orçamentais e financeiros eram necessárias e ninguém discute isso. o que agora se discute é a moderação. a forma brutal como as coisas estão a ser feitas. é preciso mais cuidado social.
o governo vê a estabilidade social como um dado garantido?
presumo que esse tem sido um pressuposto do governo. o que nos falta é uma verdadeira concertação social que tenha capacidade de prosseguir uma estratégia de longo prazo para o país.
o que se pode fazer para corrigir isso?
defendo a criação de um governo de salvação nacional. o país beneficiaria hoje com uma aliança política mais alargada. todos teríamos a ganhar se os egoísmos fossem colocados de parte. fiz parte do governo do bloco central numa situação muito menos grave do que a que estamos a viver. na altura, era um problema apenas financeiro, enquanto agora temos uma profunda crise financeira e económica.
qual será o efeito do resgate de espanha em portugal?
se afecta a economia espanhola, consequentemente toca na nossa, porque exportamos e importamos muito de lá. além disso, tem o efeito de contágio nos mercados.
o sucesso económico alemão durante esta crise levou a um atraso na solução da crise do euro?
sim. a alemanha foi uma das maiores beneficiárias da crise. são muito competitivos, o mercado preferencial continua a ser a europa, financia-se a taxas de zero por cento e financia os outros países a taxas altíssimas. a alemanha não é seguramente o país que mais se interesse pela ue.
a aproximação de portugal aos capitais chineses faz sentido?
é inevitável. portugal, grécia e os países em dificuldades são excelentes oportunidades para os investidores porque vêm comprar activos a metade do preço.
os italianos da eni deixaram de acreditar na galp?
há 12 ou 13 anos, quando decidiram investir na galp, foi-lhes oferecido o controlo da empresa e isso nunca aconteceu. foram criadas expectativas pelo estado português que não foram cumpridas e, como também a relação com os restantes accionistas não foi sendo saudável ao longo dos anos, acabaram agora por decidir sair.
américo amorim é o vencedor em todo este processo?
claramente, ele é o vencedor desta disputa accionista que houve nos últimos anos na galp.
foi um dos responsáveis pela internacionalização da pt, como vê hoje a empresa?
a pt perdeu o seu motor de crescimento ao vender a vivo, que representava quase dois terços das suas receitas. e ao concentrar os esforços numa empresa como a oi, que é grande, mas não é líder e que vai ter de se desenvolver, a pt fez uma reconfiguração estratégica.
já foi presidente da pt e da galp, ministro e bastonário da ordem dos economistas. como é que vê as críticas da troika quanto à força dos interesses instalados e a proximidade dos mundos político e empresarial?
portugal não tem uma tradição de formação de políticos. somos políticos às vezes, em determinadas fases da vida. isso acaba por reflectir-se na vida política e empresarial e por gerar confusões.eu nunca fui um carreirista e não fiz da política a minha vida.
mas o seu percurso está muito alinhado ao ps…
aderi ao partido socialista em 1975 e fui filiado, mas nunca fui um activista político. mas a perda de credibilidade que tem vindo a haver na política também tem muito a ver com o facto de os políticos serem mal tratados em portugal. ganham mal e estão muito expostos, acabando por se desacreditar muito, o que muitas vezes é injusto.
sentiu pressões em algum momento?
todos os políticos sentem. mas nas empresas também. gerir uma grande empresa é quase como ser ministro.
acha que em portugal continua a haver excessiva intervenção política na vida das grandes empresas?
nas grandes empresas que afectam a vida de muitos cidadãos é muito difícil uma imunidade total. as grandes tomadas de decisão não são meramente financeiras, também têm um carácter político.
diz-se que em portugal não se faz negócio sem a bênção do governo, mesmo quando estão em causa apenas accionistas privados. é verdade?
isso não sei… no meu caso mais recente, por exemplo, era representante do estado na galp e em sete anos nunca usei a golden share.
luis.goncalves@sol.pt