Portugal a meio caminho do verde

Na bancada da cozinha reúnem-se os tupperwares com as sobras do jantar, o jarro da água, os molhos e a compota que a família de Maria do Rosário Correia usou na refeição. Mais parece um inventário, mas a rotina repete-se todos os dias. A razão é uma: o ambiente.

«o frigorífico é dos electrodomésticos que mais gastam energia e, quando se abre a porta, esse gasto aumenta. em nossa casa, nunca se guarda uma coisa de cada vez, primeiro junta-se tudo e procuramos abrir a porta do frigorífico apenas uma vez», explica esta mãe de duas filhas, que, apesar dos seus sete e quatro anos, têm uma consciência ambiental maior do que muitos adultos portugueses. «apaga a luz!», «não gastes tanta água!» – são frases que ‘atiram’ constantemente uma à outra.

francisco ferreira, da quercus, confirma esta tendência nacional para uma vida mais verde com os resultados do eurobarómetro que colocam portugal num dos lugares de topo dos países com maiores preocupações ambientais. no entanto, na lista de países europeus com melhores práticas, portugal não passa do meio. por isso, para o ambientalista, o comportamento mudou bastante, nos últimos 20 anos, «mas não o suficiente».

maria do rosário correia é da mesma opinião. «há muito por fazer e, às vezes, quem mais devia proteger o ambiente é quem menos o faz», sublinha, e dá como exemplo os pescadores que deixam lixo na praia. é por isso que nos seus passeios à beira-mar nunca se esquece de levar um saco, onde vai pondo todo o lixo que encontra. e, a julgar pela quantidade recolhida todos os anos, precisa de um saco gigante. por exemplo, só no ano passado, apanharam-se quatro mil cotonetes por hora, na costa entre tróia e melides.

o crime das bolachas

pode parecer preocupação a mais: o inventário feito na bancada da cozinha, a ‘apanha’ do lixo em férias, as filhas que já estão sensibilizadas para a necessidade de proteger o ambiente, mas, para esta mãe, a educação também passa por transmitir estes valores – aprender que o lixo deve ser separado é tão importante como saber que é preciso arrumar o quarto ou fazer bem os trabalhos de casa.
para samuel freire, editor de imagem e pai de duas filhas, também é fundamental passar este testemunho ambiental às crianças. é importante que saibam «escolher sacos de pano para ir à padaria e outros recicláveis para ir ao supermercado», considera, e acrescenta que prefere bens de consumo cujas embalagens sejam reduzidas. «há vários ‘crimes’ ambientais em muitos pacotes de bolachas».

no caso de rosário, a consciência para estes ‘crimes’ surgiu cedo. em sua casa sempre se combateu o desperdício, desde a comida à roupa, que passou «pelas irmãs e os primos. e com os livros escolares acontecia o mesmo», conta.
este tipo de medidas não são apenas ambientais, são também formas de poupar dinheiro. e dá como exemplo a sua viagem de finalistas, em que a turma decidiu levar os mil alunos de um colégio em lisboa a separar papel e a trazê-lo para a escola. «depois era vendido ao quilo a empresas da indústria do papel, que o reciclavam. juntámos toneladas», recorda. a inspiração para a iniciativa chegou-lhe em casa – vivia numa das zonas de lisboa que, há quase 20 anos, fez parte de um projecto-piloto de recolha de papel porta a porta.

apesar do esforço de alguns municípios, samuel freire critica o facto de a verdadeira recolha selectiva só ter começado em 2011, enquanto na alemanha já se faz há quase 20 anos: «é surpreendente ver como estamos tão longe dos valores que muitos países conseguem alcançar na produção de papel, plástico e vidro a partir de materiais reciclados».

reutilizar mais para reciclar menos

para o editor de imagem, ainda falta bastante para se poder dizer que os portugueses são ambientalistas e sublinha que a formação nas escolas é fundamental, através da separação desde logo na sala de aula, até à realização de ateliês sobre práticas ambientais. «na escola da minha filha mais nova, apenas no ano passado se começou a separar o lixo. ali são produzidas diariamente pelo menos 500 embalagens de leite, iogurte ou sumo».

para o autor do livro resíduos: uma oportunidade, pedro almeida vieira, «os portugueses são mais ambientalistas, mas só na teoria». o facto é justificado com a falta de políticas: «durante muitos anos pediu-se ao cidadão que fizesse a separação do lixo em casa, sem pontos de recolha para os depositar. e tinham de se deslocar de carro para pôr os materiais nos seus respectivos contentores».
o autor considera que «uma atitude ambiental adequada não deve exigir um esforço; têm de existir estruturas de acesso». ainda assim, um estudo divulgado pela sociedade ponto verde mostra que 69% dos lares portugueses separam as embalagens usadas e que 47% são mesmo separadores totais. de acordo com o mesmo inquérito, apenas 31% não adoptaram qualquer medida.

por outro lado, francisco ferreira, da quercus, preferia que as campanhas de sensibilização apelassem, por exemplo, à reutilização de embalagens em vez de promoverem a sua separação para posterior reciclagem. e aponta o recurso excessivo do carro como um dos problemas que mostram que as práticas dos portugueses não reflectem a preocupação que dizem ter com o ambiente.

responsabilidade de cada um

na crítica à política nacional para o ambiente, joão vaz, especialista no tratamento de resíduos, é mais duro: «em alguns casos, a preocupação ambiental desapareceu e deu lugar a preocupações económicas. com a excepção do aumento de produção de energias renováveis, todos os outros indicadores pioraram nos últimos 20 anos».

para o gestor, as próprias associações ambientais têm muita dificuldade em mobilizar os cidadãos, situação que atribui ao discurso político: «da esquerda à direita, há uma base comum: mais crescimento da economia, o que significa mais consumo, menos ambiente e menos paisagem».

para além das políticas, há quem defenda que o mais importante é responsabilizar os cidadãos. maria do rosário correia acredita que «a preocupação com o ambiente deve partir principalmente do empenho de cada um, em cada família, em cada casa».

samuel não tem dúvidas quanto a isso: «o impacto que provocamos no planeta é a medida da herança que pretendemos deixar aos nossos filhos».

joana.andrade@sol.pt