como é que uma pessoa que viu televisão pela primeira vez aos 14 anos acaba a trabalhar na sic?
é curioso. nasci em vale da lage, freguesia da serra, concelho de tomar, e até aos meus 14 anos não havia electricidade na aldeia, por isso, ninguém podia ver televisão. só em 1978 é que houve electricidade e, nesse ano, os meus pais compraram um televisor.
e lembra-se da primeira vez que viu um programa?
tinha cinco anos. e tenho na memória visual as imagens transmitidas em directo da ida do homem à lua. sei que fui a pé, seis quilómetros pelo meio da floresta, para uma aldeia onde havia uma televisão a bateria num café. em 1969, vi tv pela primeira vez na vida.
em casa, via muita televisão?
a televisão era a minha janela para o mundo, apesar de eu já ter outra. no meio rural, só tínhamos uma hipótese: ler muito. e aos dez anos já tinha lido coisas que nem percebia, como grande parte da obra de dostoievski, que pedia a um colega que estudava em tomar para me trazer da biblioteca.
esteve no início da tsf e do público. como se deu essa passagem pela rádio e pelo jornal antes de chegar à tv?
houve um ano e meio da minha vida em que dormia três horas, porque fazia dois horários completos em duas empresas. começava no público às 10h e saía da tsf à uma e tal da manhã. foi difícil conciliar. e decidi ficar no público.
até que o convidam para a sic.
fui cobrir uma conferência em que o emídio rangel era o moderador e, no fim, ele veio perguntar-me se queria trabalhar na sic. aceitei. digo a brincar que sou ‘sócio fundador’ da revista classe, o meu primeiro emprego, da tsf, do público e da sic. mas sem acções.
para quem foi ‘sócio fundador’ de quatro projectos não é frustrante assistir ao estrangulamento financeiro dos órgãos de comunicação social?
são o espelho do país. foram feitos muitos erros no passado e andamos a tentar corrigi-los. mas quem quer fazer bom jornalismo consegue fazê-lo e quem quer trabalhar com afinco normalmente tem a recompensa. costumo dizer que o país tem muitos problemas mas que teria mais ainda se não tivesse uma imprensa que diz o que entende dizer com liberdade. acontece com uns projectos de comunicação mais do que com outros, mas quase todos têm um papel muito positivo na sociedade.
e a sic está nesse conjunto de projectos com maior liberdade?
nunca senti constrangimentos, mesmo abordando, às vezes, matérias muito delicadas para um grupo de comunicação. porque tudo tem a ver com as decisões de política económica e financeira tomadas.
decisões que podem influenciar a sobrevivência de uma empresa de comunicação, é isso?
as decisões tomadas pelos sucessivos poderes influenciaram a condução do país no sentido negativo. o país esteve à beira de uma bancarrota e continua numa situação que não é de desafogo. felizmente, tomámos juízo e pedimos ajuda. mas voltando ao ponto anterior, o nosso grupo de comunicação [impresa] trabalha num regime de liberdade editorial absoluta. e ainda bem que assim é: sentimos à-vontade para falar sobre todas as matérias importantes.
no facebook, há uma página de fãs seus. é uma forma de o espectador mostrar que valoriza o à-vontade com que fala das matérias importantes?
não tenho dúvidas de que a liberdade de falar nas coisas é percepcionada pelo espectador, tal como é percepcionado o facto de o jornalista transportar o seu sentimento enquanto cidadão para depois colocar perguntas e fazer afirmações em antena. antes de falar, penso sempre nisto: que pergunta fará quem está sentado no sofá, em casa. por outro lado, enquanto entrevistado, coloco-me no papel do cidadão que tem de pagar impostos para um bolo cujo gasto não tem sido o melhor. e aí indigno-me. às vezes, os meus colegas dizem que me exaltado demais e eu respondo-lhes que antes de ser jornalista sou cidadão.
alguma vez se arrependeu de alguma exaltação maior?
não! nós temos de pôr alma nas coisas, senão estamos a fazer um jornalismo cinzento. enquanto entrevistador não posso fazer perguntas sem sal e é meu dever emocionar-me, aplaudir ou indignar-me segundo o que vejo que está bem ou que está mal. quando respondo como entrevistado, ainda mais o faço; aí há liberdade plena para dizer o que penso.
com a crise, são feitas mais aberturas de jornais com temas de economia?
atenção, tudo isto é pura política. aqui há uns tempos tive um entrevistado no programa negócios da semana que me disse: ‘ouça, não me faça perguntas de política’. respondi-lhe: ‘não, não lhe vou perguntar o que acha do ps e do psd’. fiz-lhe a entrevista e todas as perguntas eram de pura política económica. no fim, disse-lhe: ‘não queria dar uma entrevista política, mas já reparou que acabou de dar uma entrevista de política?’. e ele reagiu: ‘tem toda a razão’.
há quanto tempo é que a sic não abre o jornal das noite com um tema de sociedade?
abrimos muitas vezes. mas se me perguntar se, nos últimos dois anos, as aberturas com temas económicos foram mais, digo claramente que sim. hoje em dia, não há dona de casa que não discuta a questão do défice e da dívida.
estuda muito os dossiês para fazer comentário na sic e na sic notícias?
passo os fins-de-semana agarrado a documentos. quando há um relatório do tribunal de contas, levo-o para casa e tento lê-lo no intervalo de ir buscar as minhas filhas a um sítio e levá-las a outro. meto-o dentro do saco dos jornais, e ando com aquele relatório, ou com a economist, ou com a newsweek, ou com a time, ou com um livro de economia… se não estudarmos os dossiês, somos ultrapassados.
pela concorrência?
pelos acontecimentos ou pela concorrência. tenho responsabilidades nesta casa como subdirector de informação, mas nunca digo que sou eu que vou fazer um comentário a um jornal; sou convidado a estar lá e para lá estar tenho de me actualizar. estou em pé de igualdade com outros comentadores do exterior. aqui não há cadeira fixa.