em fevereiro, as máquinas registadoras da ourivesaria aliança e da livraria portugal, outrora instaladas em prédios agora em obras, envoltos em andaimes, foram desligadas para sempre. há dias, foi a vez da panificação do chiado, da qual já só restam os balcões.
nos últimos tempos, a notícia tem-se repetido: também as lojas históricas da baixa lisboeta, algumas centenárias, estão a fechar portas. em 2011, já a alfaiataria picadilly e a mercearia nova açoreana tinham seguido o mesmo caminho, substituídas por outros estabelecimentos.
a crise e a austeridade – que trouxeram mais impostos, electricidade e combustíveis mais caros e cortes no rendimento disponível –, o desemprego e a redução do consumo são os principais motivos dos encerramentos. mas a inexistência de herdeiros que queiram continuar os projectos familiares contribui para a falta de alternativas.
montras despidas
«os comerciantes, mesmo nos negócios de família, chegam ao momento em que vêem que não justifica continuarem a lutar por uma área onde não sentem apoio», explica a presidente da união de associações de comércio e serviços (uacs). carla salsinha diz haver mais lojas emblemáticas da baixa com problemas, mas não quer dar nomes.
certo é que, com maior ou menor passado, estes são exemplos da história do comércio tradicional que está a marcar o presente e continuará a contar-se no futuro. sem final feliz.
multiplicam-se lojas com grades corridas até baixo, montras despidas e empoeiradas, correspondência acumulada por baixo da porta, letreiros com ‘vende-se ou aluga-se’. tanto nas mais antigas como nas recentes. por exemplo, a custo barcelona e a fornarina, jovens inquilinas do chiado, fecharam recentemente, dando lugar a outras marcas de moda.
desde o início do ano, contabiliza a responsável da uacs, as vendas dos comerciantes na capital caíram «acima de 30%», percentagem que deverá agravar-se até ao final do ano. e os fechos sobrepõem-se sempre às aberturas, como acontece em lisboa. «há 13 empresas do comércio e serviços a dissolverem-se e três a decretar insolvência. estão a fechar 16 empresas diariamente», contra oito a dez aberturas.
no país, no ano passado, houve 9.345 dissoluções de empresas do pequeno comércio e serviços e 1.946 insolvências. «até maio, já se dissolveram mais de 4.600 e registaram 1.015 insolvências, ou seja, mais de 50% do total do ano passado», contabiliza a presidente, que pede ao governo um regime fiscal específico para as pequenas empresas.
fechos de norte a sul
a lei das rendas, que «não se preocupou com a questão das lojas históricas e dos centros históricos», as acessibilidades e a desactivação de organismos públicos na zona, como o tribunal da boa hora, são outros motivos apontados por vasco mello, da associação de dinamização da baixa pombalina e vice-presidente da confederação do comércio.
no distrito do porto, acabam 20 espaços de comércio e serviços por dia, num ritmo acelerado desde 2011.
«as lojas mais emblemáticas não fecharam. como têm um volume de facturação interessante, às vezes o que existe é um trespasse ou a passagem para a geração seguinte da família. mas houve empresas com 30, 40 ou 50 anos que encerraram. a livraria latina esteve para fechar mas houve um grupo de empresários que ficou com ela [grupo leya, em 2010]», relata o presidente da associação de comerciantes, nuno camilo. na região, as vendas estão a cair 35% a 40%.
«o governo tem de perceber que as empresas já não estão num sistema elástico. se lhes pedimos mais esforço, é para começarem a entrar em incumprimento. basta ver o que aconteceu com a entrega do iva da restauração», lembra, aludindo às quebras nas receitas fiscais (ver texto ao lado).
já no algarve, a região do país com mais desempregados, também as portagens nas ex-scut estão a travar as receitas e o emprego. com reduções de 20 a 25% nas vendas e com o desemprego no sector «acima de 25%, mais 10% do que no ano passado», cerca de «um terço do comércio algarvio está encerrado», contabiliza o presidente da associação de comércio local, joão rosado. «antes das portagens tínhamos 70 a 80 lojas fechadas em portimão. desde que surgiram, e com a crise, passámos para 130 a 140. a situação de faro e tavira é igual», exemplifica. e reforça: «a maior parte das empresas que estão abertas há dezenas de anos também já começaram a fechar».