acaba de editar crónico, colectânea de textos publicados na imprensa. que critérios usou na selecção?
são crónicas sobre a realidade portuguesa, que tentei que não fossem datadas, que fossem homogéneas e que tivessem humor. que nos retratam e aos tiques que temos, como o naperon em cima da televisão. um povo define-se pelas coisas pequenas. as auto-estradas são iguais em todo o mundo.
usa um tom sarcástico e muito crítico. quais são os seus alvos?
não tenho alvos. fui observando o que tinha à mão. quando tocamos nas feiras, ficamos em residenciais e pensões do interior que nos dão um leque imenso sobre o que escrever. há muitas particularidades nos portugueses. o que faz de nós o país que somos, com tudo o que temos de bom culturalmente e tudo o que temos de mau em termos de gestão, está-nos no sangue: na maneira como gerimos a casa, a imagem pública, a relação com a igreja, com os vizinhos. lembro-me do tempo em que os homens tinham a unha do dedo mindinho comprida para coçar a orelha. edgar morin dizia que a verdadeira sociologia é a capacidade de olhar para as fachadas das casas e perceber o que se passa lá dentro. a casa com roupa a secar à porta diz muito sobre os seus donos. é isso que faço: observar esta pequena coisa de ser português que, no fundo, também é esta grande coisa de ser português.
em ‘antefácio’, refere os livros, objectos não literários, que diz serem usurpadores de espaço. afirma que crónico se insere nesta categoria. por que o quis publicar?
como dizia o salazar, mal não faz. é tão fininho que não ocupa muito espaço no meio de tanto lixo literário. mas alerto as pessoas de que não estão a levar grande coisa para casa. sei que escrevo bem, de maneira escorreita, do ponto de vista da sintaxe. mas sou um músico, tudo o que faço adstritamente a isso é uma coisa paralela. não me assumo como escritor.
é um livro de opinião. é importante fazê-la ouvir?
sim. sobretudo nesta altura, em que portugal está sob uma pressão imensa, fruto dos erros que cometemos enquanto povo, ao elegermos incompetentes para nos governarem, pessoas sem qualquer tipo de preparação humana, ideológica, cultural, que fizeram aquilo que qualquer chico-esperto faria: alambazaram-se. alguém tem que dizer isso. são os impostos que financiam essa seita inútil que nos governa há anos. o que nos resta? dinheiro não resta, capacidade de intervenção também não. o que é que podemos fazer? já respondi a isso numa canção de 1994. vamos, pelo menos, não abdicar do nosso direito sagrado de opinião.
este é o seu primeiro livro. mas sempre escreveu canções. qual a relação?
na antiguidade as notícias eram transmitidas no formato de canções através das trovas, os trovadores não eram mais que cronistas. mas a canção é arte, transmite emoções, magia, encantamento. vai ao fundo da alma, desce ao inferno. a crónica é uma forma de divertimento.
abre o livro com um texto sobre a sua queda no ídolos há dois anos. porquê?
por uma questão de coincidência, por fazer agora parte do júri do programa. porque a crónica está bem escrita, tem piada. é uma metáfora da queda do poder. foi um momento visto por biliões de portugueses.
o que o levou a aceitar fazer parte do júri?
a crise financeira que o país atravessa e que também me levou a editar este livro: recrutamento de meios. e porque, embora esses programas criem falsas expectativas nas pessoas – há uma cultura da fama em portugal que me é completamente alheia, acho aberrante que se queira ser famoso sem se ter qualquer tipo de trabalho realizado –, a produção é muito bem feita, quis perceber o fenómeno por dentro e exercer um papel profissional e imparcial. a minha vida profissional é o que se passa ali. tenho um estúdio e uma editora, faço uma triagem do que considero ser um potencial talento, não só de cantores, mas de músicos, de escrita de canções.
como está a ser a experiência?
muito boa. de resto, sobre o programa não me pronuncio, só lá no plateau.
editou longe em 2010. está a preparar um novo disco?
claro. sou um escritor de canções, aquilo que faço é escrevê-las. escrevo a canção, a letra, gravo-a, produzo-a, edito-a. por isso demoro três anos a pôr cá fora um novo disco. porque no meio disso há estrada para fazer, mais de metade do ano fora de casa e longe do estúdio. é complicado gerir isso, especialmente quando os discos são um sucesso. e felizmente têm sido. ?