A corda não ‘estica mais’

O novo clima na Europa favorece Portugal e ajuda Passos Coelho,

1. como viu o último conselho europeu?

o conselho europeu deu passos positivos e seguros. as medidas, em concreto, são já conhecidas.

importa fazer a avaliação política. nesse plano, não se devendo dizer que angela merkel perdeu, importa reconhecer que teve de ceder. existe uma nova relação de forças com a frança do lado de itália e de espanha. a esta frente, importa juntar os órgãos da união, nomeadamente a comissão e o conselho europeu.

há que destacar, também, a evolução positiva da irlanda, e a notícia do seu regresso ao mercado secundário constitui um dado significativo.

lá está: parece ter havido consistência, determinação e – o que é novo nos últimos tempos – capacidade de se ter coragem política.

não está em causa a coragem individual, mas a coragem colectiva. principalmente a coragem daqueles que, podendo fazer frente às posições mais irracionais, inconsequentes ou dogmáticas, têm olhado para o lado.

não me preocupam as opiniões de alguns analistas financeiros internacionais que, não deixando de reconhecer os avanços, consideram como desilusões desta cimeira, nomeadamente, a falta de concretização de medidas para a união bancária e a integração política.

neste quadro, abrem-se novas perspectivas para portugal. em minha opinião, portugal fez bem até aqui em não discutir nem pôr em causa nada do que está acordado. mas, neste momento, existem muitas razões para que surja uma iniciativa externa que mude algumas linhas do programa de ajustamento.

lembro que o primeiro-ministro, pedro passos coelho, já deu a entender essa possibilidade na comunicação televisiva que deu ao país, em março deste ano, numa entrevista à tvi. na altura, disse que portugal não tomaria nenhuma iniciativa nesse sentido. mas desde então muito se passou.

2. o governo anunciou o encerramento de centenas de serviços a partir de outubro. concorda? e que cuidados há a ter?

para além dos direitos das pessoas, que naturalmente têm de ser respeitados, o que mais me preocupa é a coesão territorial. se encerramento de serviços significar que mais populações fiquem mais abandonadas em territórios distantes dos grandes centros urbanos, deve ser evitado. já escrevi sobre este tema vezes sem conta.

sem dúvida que há que encerrar serviços. e muitos! não podemos querer pagar menos impostos e depois não aceitar as medidas que permitem a redução da despesa. mas importa ter sensibilidade social. esse atributo nunca pode estar dissociado da decisão política. desde o início que este governo anuncia essas medidas. e elas são imperiosas. até porque respeitam a um compromisso eleitoralmente assumido, de modo inequívoco. há ainda muito para poupar, para racionalizar, para conter, em entidades sediadas nos grandes centros urbanos, antes de decisões que tenham de levar ao encerramento de serviços indispensáveis a populações desfavorecidas.

3. o país aguenta mais medidas de austeridade?

a situação económica de portugal está a atingir aquele que se espera que seja o seu nível mais duro – e que mais castiga as pessoas e as empresas. o desespero está instalado, as pessoas estão angustiadas, as empresas não têm encomendas e não conseguem cobrar. em vários sectores, está quase a chegar-se ao ponto em que ninguém paga a ninguém.

eu não costumo escrever este tipo de frases. não gosto nada de contribuir para o pessimismo. mas todos temos de ajudar o governo a estar ciente do que se passa. não serve de nada criar ilusões, apesar de eu estar convencido de que o governo está bem informado. é, aliás, a sua obrigação.

mas se alguém dentro do governo tiver dúvidas, que não as tenha.

como o presidente da república tem repetido, portugal não suporta mais medidas que empurrem a economia para baixo. cada economia tem a sua estrutura mínima de sustentação. nós não somos áfrica, não somos uma região subdesenvolvida de outro continente, mais ou menos próximo.

todos os sistemas têm níveis abaixo dos quais entram em ruptura negativa, à qual normalmente se segue o caos, a ira, a indignação.

nas ponderações que estejam a ser feitas, importa não ter dúvidas de que, muito dificilmente, a corda ‘estica mais’.

tenho a certeza que o primeiro-ministro está ciente de tudo isto pelas palavras que proferiu na assembleia da república e, depois, no conselho europeu, passos coelho já disse que a próxima negociação com a troika vai ser muito complexa. julgo que todos percebemos o que quis dizer. e, se o disse, assim fará.