Fim-de-semana em Skhirat

Em Skhirat, mesmo em cima do mar Atlântico que os nossos antepassados abriram vai para seis séculos, discute-se em círculo de identidade e amizade antigas o mundo islâmico, a África a norte do Equador e um bocado do resto do Globo.

somos velhos e novos europeus, norte-americanos, médio-orientais, muitos africanos.

marrocos participa de tudo isto, da áfrica, do islão, da europa, dos mares atlântico e mediterrâneo. é também – tem a sorte de ser –, no meio de muita confusão e fragmentação, uma nação com uma dinastia antiga que reúne a autoridade da tradição e uma visão estratégica que fez do país um estado com um papel mais importante do que aquele que as condições e factores naturais lhe destinavam.

mohamed v restaurou de modo pacífico a independência, hassan ii fez de marrocos um pivô de decisão e estabilização regional na guerra fria. o actual monarca, mohamed vi, continuou um processo de reformas constitucionais – consagradas na constituição de 2011 – que vai no sentido da mudança controlada, da reforma institucional a partir do topo do estado. a ‘revolução de cima’, de que falava hegel.

à volta da mesa há a consciência que esta solução é um privilégio. líbios, etíopes, jordanos, sauditas, turcos, iranianos, gente dos emiratos, trocam experiências bem ou mal sucedidas. todos comungamos num ponto: os clichés sobre o mundo islâmico (e particularmente o mundo árabe) sofreram de uma distorção pejorativa no ocidente, especialmente nos estados unidos. desde o lawrence da arábia que não se vê um árabe decente no cinema!

visitando rabat com o meu amigo aziz mekouar, um marroquino que fala português e conhece portugal melhor que a maioria dos portugueses, que representou o seu país em lugares difíceis e de grande importância – luanda, lisboa, roma, washington – vejo as muralhas, as medinas, as mesquitas desta civilização.

na praia de skhirat, as famílias de classe média lembram-me, no seu modo de estar, as praias do porto e da foz do douro nos longínquos anos cinquenta, embora haja biquínis e fatos de banho modernos, a par de véus e burkas.

ao fim da tarde de domingo, itália e espanha jogam na tv – e o crepúsculo cai sobre este areal imenso de skhirat, em frente do hotel amphitrite palace.

não sei porquê – ou sei – lembro-me de xerazade, a heroína das mil e uma noites, como ulisses é o herói da odisseia. e estabeleço o paralelo entre os dois. xerazade é bela, é inteligente, é corajosa, é engenhosa. perante um sultão todo poderoso e ressentido, oferece-se com risco da própria vida por amor à comunidade. e salva as suas irmãs mulheres – todas – e salva-se a si própria.

uma civilização que deu esta heroína vai com certeza saber encontrar o seu caminho.