«nota-se um aumento no número de casos de alcoolismo. continua a haver mais homens, mas o alcoolismo feminino está a subir, tal como o juvenil» – revela o director da unidade de alcoologia de lisboa, alfredo frade. igual percepção tem a comunidade alcoólicos anónimos (aa). «nos últimos dez anos, tem aumentado o número de mulheres. e, neste momento, temos também muitos jovens de 20 e poucos anos», alerta antónio d., responsável pela comunicação dos aa. «posso dizer que, neste momento, as mulheres talvez representem um terço da nossa comunidade», acrescenta.
joão goulão, responsável pelo serviço de intervenção nos comportamentos aditivos e dependências (sicad), afirma ao sol não ter disponíveis dados sobre o número de alcoólicos em portugal, não podendo, por isso, «objectivar» se a crise económica fez disparar o consumo de álcool. goulão lembra, porém, que portugal continua a ser um dos países da europa com maiores consumos de álcool e reforça que, «segundo a observação directa no terreno», verifica-se «uma maior procura de ajuda de pessoas com problemas de alcoolismo».
joão goulão lembra que «o consumo de álcool serve para duas coisas: para dar prazer e para alívio do desprazer». marta, de 32 anos, sabe bem o que isso é, ou não fosse uma alcoólica em recuperação. esta jovem, que vive em lisboa, é uma das mais de mil pessoas que integram os aa. mas o álcool não é a sua única adicção: marta assume ter um problema de adicção com comida (desde os cinco anos), compras e séries televisivas, e também sabe que não pode tocar em drogas.
histórias de dependência
o sol conheceu marta numa reunião aberta dos aa, na zona de belém. na mesma mesa estavam mais cinco mulheres e outros tantos homens. marta – loura, de rosto bonito e olhos azuis –, foi acompanhada pelo marido, para que este percebesse os aa. o marido da jovem ouviu os testemunhos de pessoas que não sabem como sobreviveram ao álcool. histórias de pessoas que, em sobriedade, são capazes de falar do que antes escondiam, como é o caso de vasco que, na reunião, assumiu o descontrolo: «não matei ninguém porque não calhou. destruí três carros, fiz dezenas de quilómetros em coma alcoólico. felizmente estou cá para contar os disparates que durante 40 anos fiz».
silvina, que estará a abeirar os 50 anos, é recém-chegada aos aa. está sem beber há poucos dias. e acusa a ansiedade no modo como fala: «nas reuniões sinto-me aceite, dão-me colinho. e isso é muito bom».
marta não se esconde atrás de problemas para justificar a dependência. tem consciência de que é alcoólica desde os 28 anos. «há pessoas a quem acontecem mil e uma desgraças e não são adictas. a mim nunca me aconteceu nada de extraordinário na vida e sou adicta», sublinha. «a adicção serve para não vermos determinados aspectos da nossa vida; é mais fácil ocuparmos a cabeça com determinada adicção do que agir», explica. esta jovem começou a beber em excesso numa altura em que iniciou uma dieta rigorosa. «o álcool veio colmatar a adicção da comida», lembra. e como para marta «só se deixa de estar na adicção quando a dor da adicção é maior do que a causa do problema», a procura de ajuda só surgiu em 2010, quando percebeu que o casamento estava mesmo em perigo.
marta sabe que nunca se pode achar mais forte que a doença. por isso, nunca sai de casa sem um plano de ajuda: «gosto de fazer planos e partilhá-los com os outros, para me sentir mais obrigada a cumpri-los».