A nossa fronteira Sul

Basta olhar as ‘primaveras árabes’ nos diversos países do Magrebe e África do Norte para compreender os riscos de análise e interpretação gerados por falsos clichés que por superficialidade e ignorância fazem a amálgama de realidades diferentes.

‘árabes’, ‘islâmicos’, ‘fundamentalistas’, são categorias muito extensas e vagas que só se podem servir em termos políticos dentro de uma clara noção de limites e definições essenciais.

as mudanças na região tiveram origens, desenvolvimentos e resultados bem diferentes. ou nem aconteceram. a diferença tem a ver com a especificidade de cada sociedade, de cada estado.

na tunísia, um governo autoritário pessoal inspirado no nacionalismo laicizante de burguiba, mas corrompido pela ambição cleptocrático-familiar do seu sucessor, ben ali, conduziu a um novo poder, naturalmente influenciado pelos partidos religiosos na oposição.

na líbia, a ditadura pessoal de kadhafi, baseada ideologicamente no cocktail progressista populista da revolução verde, foi destruída numa curta mas sangrenta guerra civil, graças também à intervenção dos franco-britânicos.

nas eleições de 7 de julho, surpreendem os bons resultados da coligação nacionalista liberal de mohamed zibril.

mas a unidade do estado pode estar ameaçada pelos poderes centrífugos de algumas katibas em estado de auto-governo. o maior risco é a secessão, a secessão entre leste e oeste, pois os recursos petrolíferos estão num lado (no leste, na cirenaica) e as maiorias populacionais noutro (no oeste, na tripolitânia).

no egipto, depois de ano e meio de tensão, revolta, agitação, confronto, o poder militar e a força popular dos irmãos muçulmanos mediram-se na eleição presidencial.

se a partir de agora cooperarem ou lutarem com regras, o país vai para a frente. se não, pode ser o caos.

a argélia não teve nenhuma revolta ou ‘primavera’ políticas. ou porque o poder teve a capacidade da dissuasão política-securitária, ou porque as feridas e cicatrizes dos anos da ‘guerra suja’ vacinaram o país contra qualquer instabilidade.

marrocos é outra excepção. porque o palácio foi adiante das reivindicações e lhes respondeu (até constitucionalmente) antes da violência sair à rua.

esta mudança na continuidade já tinha sido uma estratégia de hassan ii, no seu longuíssimo reinado, em que conseguiu sobreviver a conspirações do interior do próprio sistema.

o seu sucessor parece apontar numa linha de reforma e manter a dinastia como um poder arbitral, baseado mais no carisma religioso e histórico da dinastia que no texto constitucional que hoje democratiza e limita o poder moderador do monarca.

cinco estados, cinco histórias. e histórias importantes pois a áfrica do norte é a fronteira próxima da europa.