até dia 29 decorre a quarta edição do festival das artes, em coimbra. como surgiu esta ideia?
por sugestão da minha mulher, aproveitámos uma colina na quinta das lágrimas para fazer um anfiteatro. inaugurámo-lo em 2007, com um concerto do bernardo sassetti e do mário laginha – o bernardo, aliás, está ligado ao festival e à quinta das lágrimas e, por isso, a 24 de julho, vamos homenageá-lo. o sucesso desse primeiro concerto foi tal que resolvemos avançar para um festival que cobre todas as artes, o que é raro. temos gastronomia, fotografia, artes plásticas, música clássica, jazz, teatro, poesia… o epicentro continua a ser a quinta das lágrimas, mas expandiu-se pela cidade e é hoje o principal evento cultural de coimbra.
e a cidade tem retribuído?
coimbra aderiu de forma entusiástica. quando começámos os especialistas diziam que se tivéssemos 100 ou 200 pessoas por concerto seria um sucesso. no ano passado tivemos 1.500 pessoas no concerto da maria schneider e a orquestra gulbenkian recebeu 1.700 pessoas.
o tema desta edição são as viagens?
o pretexto foram os 440 anos da publicação d’os lusíadas, o livro da viagem dos portugueses para a índia e também da viagem interior de camões. é um tema que se presta imenso, o problema foi o embaraço da escolha, mas creio que conseguimos um programa notável apesar das dificuldades.
refere-se à falta de apoio da secretaria de estado do turismo?
temos sido sempre apoiados e, em outubro, fui falar com a secretária de estado e pedi-lhe que me dissesse, até dezembro, se apoiava. tivemos a confirmação verbal que íamos ser apoiados, ainda que menos do que no ano passado. meses depois soubemos que afinal não haveria apoio. não posso nem quero discutir as prioridades da secretaria de estado, mas registo que só foram apoiadas as zonas de lisboa, porto, algarve e madeira.
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e a secretaria de estado da cultura?
o senhor secretário de estado tinha-nos dito, entusiasmado, que o que estávamos a fazer era exactamente o que ele queria, que não tinha dinheiro, mas que contasse com apoio. mas soubemos há dias que o maestro victorino de almeida vai dirigir orquestras pelo país e, mais uma vez, não vai a coimbra, e nem nos perguntaram se o queríamos.
não se pode fazer cultura sem apoio público?
não, em toda a europa é assim, mas não tem mal nenhum. os apoios devem é ser transparentes. o turismo gastou este ano cinco milhões de euros em eventos turísticos. se nos dessem 1% o festival não corria riscos e talvez 1% para a região centro se justificasse. não percebo, mas respeito.
como analisa a política cultural deste governo?
a cultura cria emprego, ajuda o turismo, cria bem-estar. a cultura é feita por gente de grande generosidade, que ganha pouco e, ainda assim, luta e acredita. devia ter mais apoio do estado, que gasta dinheiro tão mal gasto… cada vez que ligo a televisão vejo viagens de estado, para irem a uns banquetes e falarem com umas pessoas… dali não vem coisa nenhuma! se esse dinheiro fosse usado para apoiar a cultura, era mais rentável.
este festival, além de ser organizado pela fundação inês de castro, de que é um dos fundadores, tem tudo a ver com o epicentro da sua vida, a quinta das lágrimas, em coimbra.
a minha família comprou aquela quinta em 1730. é um bem público muito ligado à rainha santa e à inês de castro, que ali namorou d. pedro. toda a minha vida tem sido em função daquilo. comprei as lágrimas a outros elementos da família, quando o meu avô morreu, para que não saíssem da família.
a verdade é que nasceu ali…
sim. nasci no quarto onde o meu avô morreu. e a minha paixão pela quinta das lágrimas nasceu nesse dia. as primeiras brincadeiras foram lá, as primeiras quedas, os primeiros amores… não havia dinheiro e por isso a quinta estava em mau estado. a minha mãe, ainda no tempo do meu avô, começou a cobrar uns bilhetitos e conseguiu melhorar os jardins.
o seu avô foi uma figura basilar?
foi. o meu pai morreu quando eu tinha três anos e o meu avô assumiu-me como se fosse meu pai. adorava-o como um pai que não ralha, não castiga, não proíbe e, nessa medida, um pai maravilhoso.
ainda assim, nada apaga a morte de um pai. tem memórias dele?
lembro-me de uma figura grande, não me lembro da cara dele. quando há momentos traumáticos grandes, há uma amnésia que ajuda a sobreviver. mas a memória dele está perto de mim.
foi essa recordação que o levou a decidir que era anticomunista logo aos quatro anos?
o meu pai é a grande figura da minha vida. teve coragem de ser comunista no tempo do salazar e teve coragem de abandonar o pcp, o que também era difícil. e mais, era um ateu que casou com uma rapariga de uma família ultracatólica. foi atacado e injustiçado, ainda hoje dizem coisas horríveis dele, mas eu percebo, o pcp não podia permitir que os intelectuais abandonassem o partido e quem o fazia era vilipendiado. tive acesso ao processo do meu pai na pide e o que se passou com ele passou-se com todos os outros. não há nada de que se pudesse envergonhar. só quem nunca esteve preso, e eu estive, é que pode lançar uma pedra se alguém fraquejar.
os contornos da morte do seu pai ainda hoje lhe trazem dúvidas?
cresci com a ideia de que o meu pai tinha sido assassinado pelo pcp. havia um técnico que fez análises ao meu pai que diziam que ele estava óptimo, mas ele não parava de piorar. quando se repetiram as análises já estava perdido. anos depois descobriu-se que era do pcp. não acredito, mas é evidente que o meu anticomunismo foi bebido como leite materno. curiosamente, quando fui bastonário, o pcp foi um aliado na minha luta pelo estado de direito. mas quando a cidade de coimbra me ofereceu a medalha de honra o membro do pcp que estava na vereação votou contra e quando me entregaram a medalha, saiu. foi dos momentos mais gloriosos da minha vida. foi a prova de que o meu pai foi um homem corajoso, pois 60 anos depois da sua morte ainda não está esquecido.
a morte do seu pai foi antecedida pela morte do seu irmão?
sim. aliás, a conversão do meu pai ao catolicismo foi baseada nisso. a minha mãe escreveu ao meu pai, que estava preso, a dizer que ele estava doente e o meu pai pensou que era uma tentativa para que ele fraquejasse. mas era verdade. a minha mãe esteve um mês sem dormir. foi uma morte horrível, uma peritonite com septicemia. foi um choque brutal para o meu pai. ele tinha já dúvidas em relação ao pcp – quem não as tinha quando se começavam a descobrir os crimes de estaline? o meu pai converteu-se e, na fase final da vida, era um místico. também nisso foi um homem de coragem. se tenho alguma qualidade é a coragem, e veio-me com o sangue. quando um pai morre como o meu, as fragilidades não existem. o meu pai era um ser perfeito. morreu com foros de santidade, falavam dele com um entusiasmo ou um ódio que o tornaram heróico. tinha de me medir – voltamos ao complexo de édipo – com uma figura totémica.
durante a adolescência, muito fruto de o seu avô lhe fazer as vontades todas, viveu anos loucos em coimbra…
foram os anos da droga, do amor livre, da libertação total dos instintos, mas passei esses anos de forma pouco revolucionária. nunca experimentei droga, não sei ao que sabe nem ao que cheira. a minha vida foi banal, comecei a namorar muito cedo. não era desbragado como alguns dos meus amigos.
mas convenceu o seu avô a abrir uma discoteca na cave da quinta das lágrimas…
sim, só mesmo um pai-avô deixaria uma coisa daquelas, com música aos gritos. eram os tempos dos beatles e dos rolling stones. foi a primeira boîte a norte de lisboa, o escadote. estamos a falar de 64 ou 65, tinha 15 ou 16 anos.
como lhe ocorreu a ideia?
éramos miúdos, gostávamos de dançar e já se falava das boîtes, por isso um grupo juntou-se para fazer uma. durou dois ou três anos e foi muito divertido. havia sempre uma grande luta porque só entravam convidados.
sentia-se o jovem mais popular de coimbra?
não, já namorava com aquela que viria a ser a minha primeira mulher. não andava no negócio do engate. quando o escadote iria começar a dar prestígio, na universidade, já não existia.
nessa altura já sabia que o seu caminho seria o direito?
não. aos 14 anos, tive de optar e estava indeciso entre engenharia e direito, mas nem sabia porquê. hoje sei: o meu pai, quando morreu, estava a fazer direito. inconscientemente estava a querer completá-lo. depois descobri que não havia outra coisa que gostasse mais de ser do que advogado.
chegou a ir a casa de marcelo caetano.
fui com um grupo. como havia uma que era sobrinha-neta do marcelo caetano, fomos protestar contra a proibição de uma peça de teatro que ia ser feita na universidade. num país de direita proibiram uma peça de teatro de um autor católico. falámos com ele, ouviu-nos e depois escreveu-me uma carta simpática a dizer que lamentava que, estando os turcos às portas de constantinopla, não trabalhássemos em conjunto. disse-lhe que não era possível. o presidente da acção nacional popular, o elmano alves, ainda me convidou para a juventude da acção popular, mas recusei. nunca tive nada a ver com o regime.
estava em coimbra quando se dá o 25 de abril?
estava. eram 8h da manhã quando chegou a minha casa o meu amigo e professor catedrático de direito, josé carlos vieira de andrade, com a mulher, para me dizer, excitadíssimo, que tinha havido uma revolução. abrimos uma garrafa de vinho do porto e os quatro – a minha mulher também estava – fizemos um brinde à queda do regime.
nesse brinde não pensou nas consequências dessa revolução para alguém com as suas visões?
era uma mudança radical, mas não sabia o que se iria passar. na altura decidimos apoiar spínola e criámos o movimento federalista português, que era a adaptação aos tempos pós-revolucionários da tal ideia do portugal espalhado por todo o lado.
e depois acaba por ser preso.
a 28 de setembro. foram-me buscar às lágrimas, e levaram-me, sem violência. era um estudioso de ciência politica e portanto tinha perfeita consciência que era possível que fosse assassinado. despedi-me de toda a gente. ao fim de 50 dias de isolamento, comecei a ter, uma vez por semana, visitas.
em caxias conhece antónio maria pereira, fundador de um escritório de advogados do qual viria a fazer parte.
era uma cela para sete onde estávamos 14 e o antónio maria pereira foi um dos que conheci ali. a minha vida mudou na cadeia. se não tivesse sido preso não era sócio da plmj. foi uma grande lição de vida. deviam prender toda a gente durante uns meses, para perceberem. gostava da liberdade, mas a partir da prisão a liberdade entrou-me no corpo.
é isso que dita a sua fuga numa cena própria de um filme?
sim. era uma noite de lua cheia, fui guiado por um cigano, a pé por vilar formoso. tinha sido demitido da função pública, tinha dois filhos, não tinha dinheiro. a emigração era a solução. tive medo porque tinha sido libertado com obrigação de permanecer em portugal. vivi num quarto alugado de uma casa de freiras, eu, a minha mulher e dois filhos. em espanha estavam uma data de amigos do mdlp a apoiar o spínola e fiquei a tentar contribuir para a mudança do regime. a seguir ao 25 de novembro voltei para portugal. como tinha saído clandestinamente, entrei na mala de um carro. não tenho nenhum carimbo que diga que saí de portugal.
no regresso, através de antónio maria pereira, é convidado para sócio da plmj?
fui convidado para estagiar, porque ainda nem sequer tinha feito o estágio. não queria ser advogado, queria ser professor, mas com o 25 de abril fui saneado. passados três ou quatro anos fui feito sócio. hoje em dia sou advogado, dez horas por dia, todos os dias. e vou morrer advogado.
ainda sente paixão pela advocacia?
todos os dias. quando me aparece um assunto novo, tenho a paixão da primeira vez. quando vou ao tribunal, sinto a adrenalina como na primeira vez. sou um advogado nato. continuo a adorar a profissão.
o que determina que aceite um processo?
muitas razões. se um cliente me telefonar para eu ser seu advogado, aceito. quer pague quer não pague. ainda agora tive uma reunião com uma senhora que o marido morreu em áfrica e a entidade que tem de pagar o seguro não quer pagar. a maior parte dos assuntos pagam-me e bem, mas se entender que posso e se justifica faço sem ser pago.
mas não gosta de defender traficantes de droga.
houve uma história que ficou célebre no tempo da casa pia. ninguém queria aceitar um pedófilo e eu disse que, se nas próximas 24 horas ele não tivesse advogado, seria eu. era o meu dever como bastonário. depois houve um advogado que aceitou e me escreveu uma carta linda dizendo que ganhou coragem ao ouvir-me. se fosse o único advogado do mundo para defender um traficante de droga, aceitava. se fosse o único advogado no mundo para defender alguém que tivesse assassinado um amigo, aceitava. mas enquanto houver um advogado para defender um traficante de droga, um pedófilo ou um assassino, prefiro não ser eu. toda a gente merece defesa. claro que muitas vezes sou advogado de pessoas que não gostaria de receber em minha casa nem que a minha família soubesse que sou advogado delas. mas de um modo geral sou advogado de pessoas que respeito.
é o caso de joão rendeiro?
aí está um caso: provavelmente, se fosse sensato, não teria aceitado ser advogado do dr. joão rendeiro.
porque diz isso?
porque a sociedade portuguesa é como é. o dr. joão rendeiro foi transformado no inimigo público número 1. sei de entidades que nunca mais me convidarão para advogado. sei de milhares de pessoas que faziam fila para irem às festas dele e agora não o conhecem, pessoas a quem ele deu dinheiro a ganhar. mas se o joão rendeiro e o bpp me serviam quando tinham sucesso, na desgraça é que não o largaria. não tenho dúvidas que, para muita gente, defender o joão rendeiro é pior do que defender um pedófilo. mas estou convencido que vou conseguir absolvê-lo de todos os processos. e estou a dizer isto profissionalmente, tendo hoje a informação para o dizer.
diz isso porque acredita que ele é inocente ou porque acredita que o consegue inocentar?
porque acredito que ele não é culpado. as pessoas são condenadas ou absolvidas conforme se prove que cometeram coisas que possam ser objecto de uma censura ético-jurídica.
o que é diferente de ser inocente…
nunca me preocupei se um cliente é inocente ou culpado. o que sei é que acredito na história que ele me conta e vejo os factos. até agora não vejo um facto do qual ele pudesse ser condenado. o único que existia ele resolveu-o: pagou todos os impostos, com multas e juros. depois intentámos uma acção contra o bpp, que era quem devia ter pago.
no meio deste processo viu a plmj ser alvo de buscas.
hoje em dia, como a lei diz que só pode haver buscas a advogados que sejam arguidos, o que a investigação faz é constituir arguido o advogado para ir lá buscar os papéis. os problemas ligados ao bpp, aquela coisa dos contratos sobre o retorno absoluto, não foram feitos pelo meu escritório.
nos últimos tempos, além do processo bpp, tem-se falado da sua ligação ao processo tomé feteira, uma vez que representa os interesses das herdeiras. no passado foi muito crítico de duarte lima, a sua opinião mudou?
ele está na desgraça e a última coisa que faria era mandar achas para a fogueira, a não ser na medida necessária da defesa dos interesses dos meus clientes. agora, não posso não dizer que o dr. duarte lima é uma expressão do que de pior houve no cavaquismo. já o disse na altura. gosto de dizer o que penso. com isto não se fazem amigos, mas já tenho que cheguem.
nunca se arrepende nem pede desculpa pelas suas palavras?
sou muito orgulhoso mas quando cometo um erro não tenho a menor dúvida em humilhar-me como se deve fazer quando se pede desculpa. pedir desculpa não pode ser uma coisa apressada. é ter a humilhação de reconhecer um erro e custa-me reconhecer um erro. mas já muitas vezes pedi desculpa, porque errei. sou profundamente imperfeito.
numa entrevista passada disse que a sua vida foi um combate contra a corrupção. foi alvo de tentativas?
nunca tive poder. a única vez que houve uma coisa que se poderia aparentar com corrupção foi após ter aceitado ser presidente da frente tejo. um amigo foi contactado por uma empresa de construção civil, a dizer que sabiam que iria fazer obras na frente tejo e que, se essa empresa fosse escolhida, eles usariam o meu escritório de advogados. esse amigo ligou-me a rir, a contar que tinha respondido que não me conheciam. portanto nem cheguei a ser alvo de uma tentativa propriamente dita. mas a corrupção resolve-se se os funcionários públicos forem sérios. a lei chama passivo ao tipo que se vende e activo ao que compra, mas muitas vezes o que compra é obrigado a comprar, porque lhe dizem: ‘ou me dás dinheiro ou não te aprovo isto ou aquilo’. é preciso lutar pelo aumento da seriedade das pessoas, investigando e controlando os funcionários públicos.
o que está a dizer é que a corrupção não acaba porque o estado não se dá ao trabalho?
não acaba porque a corrupção, como o cancro, faz parte da vida. é preciso ter coragem para não aceitar a corrupção.
falou dos funcionários públicos. como vê a decisão do tribunal constitucional em relação aos subsídios, alegando que não está respeitado o princípio da igualdade?
não nego o direito jurídico de decidirem como decidiram, mas há uma coisa objectiva: todos os juízes são funcionários públicos e portanto acham que é profundamente injusto que sejam só estes a pagar. não estou a dizer que se motivaram por isto, mas há um subconsciente revoltado. esta decisão dá ao governo pretexto para fazer coisas que não tem força para fazer: aumentar a carga fiscal aos privados e cortar mais no estado.
há um descrédito generalizado em relação aos agentes da justiça. como se recupera a credibilidade?
com o esforço da própria profissão. se eu for padre e disser que os padres são desonestos, estou a contribuir para a generalização. se disser que o padre ‘x’ é desonesto, estou a fazer bem à profissão. as profissões regeneram-se atacando aqueles que merecem e não atacando a generalidade.
as acusações do actual bastonário à classe não ajudam?
discordo dele em muita coisa e não tem feito nada para prestigiar ou melhorar a profissão. no entanto é popular. segundo diz, quando vai pela rua, há pessoas que o saúdam. mas o marcelo caetano, dois dias antes do 25 de abril, também teve um estádio a aplaudi-lo de pé.
em 2002 foi bastonário. o que motivou a sua candidatura?
o dever de dar à profissão parte do que ela me tinha dado e o orgulho de ser bastonário. dei três anos da minha vida à ordem. toda a gente dizia que só estava ali para me candidatar a presidente da república, mas sempre disse a mesma coisa: ‘não quero’.
entregou o colar de bastonário em 2006 e retirou o seu retrato da ordem, alegando que o conselho superior era a quintessência do conservadorismo e viu os seus pares virarem-se contra si, como o seu sucessor no cargo, rogério alves.
o colar foi recolhido por um grande amigo, o joão correia, que o tem em casa, mas já lhe disse para o dar aos filhos. depois disto abri duas excepções para entrar na ordem: para velar um colega e quando um sócio foi eleito para o conselho distrital. dessa vez tive oportunidade de ver um retrato meu que entretanto foi posto na parede, mas isso não me dá nenhuma alegria.
para um homem que não guarda rancores tomou uma decisão radical.
fui mal punido, por pessoas que não me merecem nenhum respeito e portanto cortei institucionalmente com a ordem.
mas o rogério alves já nem sequer é bastonário.
mas quem me puniu não foi ele, nem lhe reconheço qualidade para tanto! era a mesma coisa que ser punido por um stand up comedian. quem me puniu foi a instituição que, bem ou mal, ele e a sua equipa representavam.
como vê o desempenho da ministra da justiça, paula teixeira da cruz?
está a fazer um esforço notável de reforma. há coisas com as quais concordo e outras não, mas a tendência global é positiva e eu, na modéstia do meu cantinho, estou a fazer força para que ela tenha sucesso.
e do restante governo?
tenho uma enorme dificuldade em falar de governos. eles não têm tempo para trabalhar. os ministros e secretários de estado são uns senhores que passam a vida a viajar. tenho dificuldade em julgar pessoas que o sistema não deixa trabalhar. agora, se me perguntar se este é um governo que me fascina? não. mas há governos que me tenham fascinado? não.
de um modo geral temos maus políticos?
é difícil arranjar pessoas com qualidade na política porque os jornalistas dão cabo deles num instantinho. ainda ontem um amigo dizia-me que vasculharam tudo sobre o curso do secretário-geral do ps. todos temos coisas que não gostaríamos que fossem vasculhadas. não há ninguém perfeito e muita gente não está para se meter na política porque não está para isto. quando aceitei ser presidente da frente tejo fui mais criticado do que em toda a minha vida. disseram coisas horríveis. o sol disse que eu tinha aceitado ir para lá porque o meu filho tinha um restaurante no terreiro do paço. isto ofende.
o caso da licenciatura deve levar miguel relvas a demitir-se?
por isso não. é uma fraqueza tonta, que exprime o estado de atraso e arcaísmo de portugal: é preciso ser doutor mesmo que seja à pressa. foi um erro juvenil que ele fez. mas vai-se julgar uma pessoa por este disparate? é um fait divers. ele não o devia ter feito, tal como sócrates também não devia ter feito aquela coisa do inglês técnico.
falou da frente tejo. no início de 2007 foi convidado, pelo governo socialista, para coordenar a reabilitação. porque aceitou?
fui convidado por um homem que era da área do psd, o ministro da economia, e aceitei o desafio. era um cargo técnico, não político. ia trabalhar de graça. quando fui convidado lisboa era dirigida por um social-democrata, oeiras também e o governo era ps. para aceitar pus três condições: que os presidentes de lisboa e oeiras não se opusessem e o presidente da república também não. aceitei com o apoio de carmona rodrigues, de isaltino morais, de cavaco e de sócrates.
quatro meses depois antónio costa vence as intercalares em lisboa. o que correu mal?
o ps não queria que eu tomasse posse. no dia seguinte à vitória de antónio costa, às 9h da manhã, o engenheiro sócrates recebeu uma carta a apresentar o meu pedido de demissão, dizendo que era sensato que fosse escolhida outra pessoa.
por que decide isso quando tinha sido mandatário de antónio costa?
não tem nada a ver. achei que ia correr mal. o engenheiro insistiu comigo para que ficasse, o antónio costa também. sócrates convidou-me para almoçar e pediu-me encarecidamente que não me fosse embora. passados três meses estava tudo na mesma e dei a notícia que me demitia. mas na verdade nunca tomei posse.
antes tinha-se desvinculado do psd, partido onde estava desde 1981. porquê?
por um conjunto de razões que constam numa carta que enviei ao dr. marques mendes. a última vez que tive um cargo foi em 1999, quando o marcelo rebelo de sousa foi líder. quando ele se demitiu, demiti-me com ele. há mais de dez anos que nem pagava quotas. o psd estava a defender estratégias das quais discordava profundamente e entendi que devia sair. mas já antes disto tinha votado na maria josé nogueira pinto, contra carmona rodrigues. graças a deus o psd nunca me deu nada, nunca lhe pedi nada, e portanto não lhe devo nada.
mas chegou a ser advogado do partido…
quando o psd teve um processo de despejo da sede porque tinham feito obras clandestinas. ganhei, deixei passar uns meses e ninguém me agradeceu. escrevi ao secretário-geral, o dr. dias loureiro, a dizer que ele não me ter agradecido era sinal de que queria pagar-me o trabalho. e mandei uma conta de 1.500 contos com indicação que fossem oferecidos à distrital de lisboa. assim foi. o dias loureiro é um homem muito importante, poderosíssimo, porque é que ia agradecer ao pobre advogado que tinha evitado ao psd a vergonha de ser despejado da sua sede?
apesar da longa ligação à política nunca teve um cargo público. porquê?
não tenho feitio para ser político. nunca o confessei, mas no tempo do engenheiro sócrates, o responsável autárquico perguntou-me se estaria disponível para ser candidato a duas câmaras, uma delas coimbra. disse sempre para não contarem comigo.
viu a sua vida em risco em dois momentos…
sim, mas do acidente de viação nasceu a fundação inês de castro. se não fosse a indemnização não teria tido dinheiro. foi muito rápido, quando me apercebi estava vivo, mas com a perna toda a partida. reagi com calma, ainda fiz telefonemas para desmarcar as reuniões que tinha. da outra vez vi mesmo a face da morte.
cancro é a palavra que ninguém quer ouvir.
ia de carro e o médico disse-me que queria que eu passasse no consultório. disse-lhe que, se era para me dizer que tinha cancro, era melhor dizer logo. e ele confirmou-me que tinha cancro da próstata. já estava psicologicamente preparado porque os sinais apontavam nesse sentido. na altura guardei segredo porque era bastonário e achei que tinha deveres, mas agora não há razão para isso. fazia análises de seis em seis meses, com excepção para os tempos na ordem em que, durante dois anos, tinha tanto trabalho que não fiz análises. quando voltei a fazer tive o diagnóstico. fui a barcelona fazer tratamentos de radioterapia muito duros, mas correu bem. graças a deus já passaram oito anos.
percebeu o que é ter medo de morrer?
a morte é uma coisa que não consigo entender. estou a habituar-me à ideia de que é inevitável. sou católico mas não tenho a certeza que haja alguma coisa depois, e adoro a vida. se pudesse viver mais cem anos, com o cérebro em condição, vivia.
mas há vida depois da advocacia?
fiz um acordo com os meus sócios, a pedido unânime deles, e se tiver saúde fico no escritório até aos 70 anos. nessa altura reformar-me-ei e vou usufruir da minha família.