Joana Cruz: ‘As audiências não me assombram’

O registo da rádio é o mais parecido com o do dia-a-dia, apesar de também ter sempre «aquele venenozinho» que a caracteriza em televisão. Quando estava na Mega FM, falava três oitavas acima. Teve de mudar: «Era ridículo».

entrou na escola superior de teatro, mas preferiu seguir comunicação social na universidade católica. porquê?

porque achei que queria ter uma sopa na mesa todos os dias e, na época, a opção foi mais tomada com a razão do que com o coração. o teatro transformou-se num sonho adiado.

e por que decidiu inscrever-se em teatro, ao mesmo tempo que fazia os testes para a universidade?

era uma área que gostaria de explorar caso as minhas candidaturas a duas universidades não se concretizassem. na verdade, no trabalho que faço em televisão também brinco um bocadinho aos actores. durante vários anos, até tive uma personagem muito marcada no programa êxtase, da sic, e depois na tvi, com o caia quem caia. era uma personagem muito sarcástica, irónica.

na rádio, não se brinca aos actores?

na rádio, não diria o mesmo, porque senão estaria a entrar por aquele discurso do sermos todos ‘actores desta vida e deste palco’. o que pode acontecer é estarmos um bocadinho mais deprimidos e termos de ser pessoas bem-dispostas, pois estamos a prestar um serviço a outras. é isso que nos pedem.

sendo o seu registo na rádio completamente diferente do da televisão, como faz a mudança?

tenho aqui um interruptor! na verdade, foi uma opção ter registos diferentes. quando comecei no êxtase, o objectivo era haver diversidade de personagens no programa. havia a teresa peres, que era mais virada para as crianças e os animais, a cláudia semedo, que fazia mais teatro, e o hugo pinto, que era quem ia às feiras e comia de boca aberta. eu era a má que não perdoava nada do que via, que apontava o dedo e ainda rodava na ferida.

o ouvinte não se questionava como era possível a joana fazer essa transição da má da tv para a animadora de rádio mais tranquila?

não eram trabalhos que entrassem em conflito. eram só diferentes. tinha chegado à rfm pouco tempo antes de ser convidada para ficar no programa êxtase e, na rádio, apoiaram-me a cem por cento para fazer televisão.

qual é o seu registo mais verdadeiro?

no dia-a-dia, talvez seja o da joana cruz da rfm, mas também tenho aquele venenozinho que mostro em televisão.

sempre que trabalhou em televisão foi nas privadas, mas a rtp tem feito um esforço para impulsionar o humor nacional. já recebeu algum convite da estação pública?

convidaram-me para a primeira temporada do 5 para a meia noite, mas não aceitei e acabou por ficar a filomena cautela, e bem. depois, já voltei a três castings e nunca passei. isn’t it ironic?

todas as pessoas que entrevisto e trabalham em televisão dizem que é impossível competir com a imagem. nunca se deixou seduzir ao ponto de abandonar a rádio?

a rádio sempre foi o meu primeiro trabalho e nunca um meio para chegar à tv. depois, cedo percebi que, em televisão, hoje posso ser bestial, mas amanhã tornar-me uma besta. é um meio com muito maior rotação de pessoas, em que os trabalhadores são dispensados mais facilmente. para mim, existe a rádio e a tv quando é possível conciliá-las. senão, a escolha é óbvia. fico na rádio.

o facto de a rfm ter sido líder de audiências, até este último trimestre, também pesou nessa opção?

cresci com a rfm também a crescer e a chegar onde está. mas posso dizer que pesa. se estivesse noutra rádio, mais pequena…

fez o horário ingrato das 10h da manhã, quando as pessoas já chegaram aos empregos e desligaram o rádio do carro. agora, está no programa das 18h e fala para quem está de regresso a casa. isso é bom?

eventualmente, é. mas confesso que não tenho a noção se estou a falar às 10h ou às 18h, porque os picos de audiência nunca foram um fantasma, um peso que alguma vez tenha carregado. as audiências nunca me assombraram. a minha ideia é fazer rádio da melhor forma que sei, para quem esteja a ouvir, sem me preocupar se são três ou três milhões de ouvintes.

há pouco tempo, incluiu a rubrica sem palheta no seu programa. foi uma forma de tentar aproximar-se do ouvinte com um registo mais intimista, levando artistas a estúdio?

o sem palheta não é uma ideia nova, mas surgiu numa conversa de café e resolvemos recuperá-la. não o fizemos – o produtor rodrigo gomes e eu – como estratégia de alcançar mais público, até porque essa competência cabe às direcções. felizmente, divirto-me a trabalhar e não tenho de pensar em mais nada.

a sua voz da rádio é a sua voz verdadeira. não sente necessidade de colocar a voz quando entra em directo?

na mega fm, durante quatro anos, falei umas três oitavas acima, porque era um ritmo mais acelerado do que aquele que adopto agora. quando vim para rfm, achei que deveria trabalhar essa questão, porque me apercebi naturalmente que o outro tom era ridículo. além disso, o nosso target é outro.

ainda há muitas pessoas da comunicação social a referirem-se, com saudade, à rádio de antigamente. tem pena de não ter trabalhado nos tempos áureos da rádio?

nunca fui uma ouvinte muito aficionada e o único programa que ouvia era o pedro tojal a acordar portugal [rfm], portanto, não é uma realidade da qual eu possa ser saudosista. de facto, há muita nostalgia em relação à rádio de antigamente, mas também temos tantas coisas boas que dantes não tínhamos…

faz surf. é um desporto a que se dedica muito?

ando a brincar. brinco na espuma, mas já consigo ir para fora um bocadinho. mas sem treino, não há muitos resultados. apesar disso, não me zango com o mar.

francisca.seabra@sol.pt