Agora estou a ler

A exposição Tarefas Infinitas no Museu Gulbenkian parece fazer sentido num futuro próximo de livros electrónicos. Será, então, cedo para celebrarmos o livro como obra de arte?

basta olharmos para os vários livros de horas e orações pertencentes à biblioteca de arte da gulbenkian, para percebermos as diferenças com o passado: o pergaminho e as páginas minuciosamente ilustradas fazem das edições raras e únicas. estes livros sofisticados marcam bem a diferença com jogos artísticos modernos, como acontece nos casos de cent mille milliards de poèmes, de raymond queneau ou de o ciclópico acto, de luiza neto jorge e jorge martins. na modernidade, a arte é o comentário sobre o objecto. há poucos quadros expostos, mas foram muito bem escolhidos, sobretudo a anunciação, de dierick bouts, de 1465, em que a virgem, com uma mão pousada no livro e a outra no peito, parece estar a responder ao anjo: ‘é só um momento, que eu agora estou a ler’.

boyle 4ever

ninguém foi insensível à cerimónia de abertura dos jogos olímpicos de londres. os participantes no twitter dividiram-se entre os que gostaram imenso e os que não gostaram nada. partilho da opinião do primeiro grupo e explico porquê. depois de há quatro anos termos assistido à festa da sincronização colectiva em pequim, foi a vez de celebrar a história do que é individual e comum. o espectáculo imaginado por danny boyle prestou uma homenagem comovente à história da grã-bretanha e ao que faz parte da cultura europeia, apresentando a revolução industrial e a grande literatura, homenageando as enfermeiras inglesas e o serviço nacional de saúde e alegrando o público com desencontros amorosos no metro ao som de rolling stones, new order, etc. houve mary poppins, rowan atkinson, mike oldfield e voos em bicicletas com asas. foi um espectáculo barulhento, caótico, humano: um belo tributo aos dias que nos esperam de perfeição atlética.

mistérios da vida íntima

a descoberta de quatro soutiens com cerca de 600 anos é surpreendente porque serve para demonstrar como a lingerie tinha uma função semelhante à que tem hoje em dia. ao contrário do que acontecia na roma antiga, em que o soutien consistia numa faixa ou várias de tecido ou pele de modo a achatar o peito, os soutiens descobertos no castelo de lengberg, na áustria, têm as copas bem definidas e parecem querer revelar ao mundo a feminilidade abafada em tempos muitíssimo mais antigos. os pormenores da descoberta podem ser lidos num texto de beatrix nutz, no site da bbc history magazine, que relata outra descoberta, a de um par de cuecas de linho com uma tira de cada lado, que confundiu os investigadores. há a hipótese de serem cuecas de homem, apesar de demasiado delicadas, pois o seu uso generalizado nas mulheres data do século xviii. ou talvez há 600 anos algumas senhoras usassem roupa interior parecida com a de hoje. mas é um tema que permanece um mistério.

mini-feira

nem todas as pessoas vão de férias para a praia. algumas ficam nas cidades e outras ainda decidem passar algum tempo das suas férias em lisboa. os turistas que escolhem visitar a cidade nesta época do ano tiveram uma boa surpresa quando no fim-de-semana passado se depararam com uma mini-feira de produtos portugueses na praça da figueira. não havia mais do que uma dúzia de pequenos produtores a vender os seus produtos, mas foi o suficiente para atrair as atenções dos que por ali passavam. bolsas de cortiça, pastéis de tentúgal, doces, conservas de sardinha, atum e peixe espada preto, vinhos, queijos, chouriços de porco preto, alheiras, pão e azeite eram algumas das maravilhas que encantaram os transeuntes. os turistas tentavam perceber que comida era aquela e os portugueses faziam contas para comprar o máximo de iguarias nacionais. estes eventos animam a cidade e são óptimos para promover os produtores menos conhecidos. venham mais.

adeus, foie

françois hollande está envolvido numa batalha que não tem que ver com austeridade nem dívida. o problema é o foie gras. depois da aprovação da lei que proíbe a venda de foie gras na califórnia, o presidente francês afirmou que os estados unidos não podem defender o comércio livre e impedir a importação de certos produtos. a preocupação de hollande é legítima. a frança produz anualmente cerca de 16 milhões de toneladas de foie gras, das quais três milhões são para exportação. são inúmeros os patos e gansos alimentados à força com milho para engordar o fígado além do tamanho razoável. o método é horrível e o sabor é excepcional. a crueldade não está só no método de matar os bichos, mas de certa forma no prazer que temos ao consumir o resultado. os movimentos dos direitos dos animais estão a ganhar guerras difíceis. não me importo de nunca mais comer fígado de ganso frito, uma das maiores delícias que provei na vida. foi bom enquanto durou.