foi nos anos de volta a portugal, pós-império e pós-exílio, que o conheci melhor. estávamos a lançar o futuro presente e foi fascínio à primeira vista e rendição incondicional. comecei os diários que tinham sido escritos em paris, no hotel raphael, entre 1940 e 1944. jünger, o ferido e medalhado combatente da grande guerra, era capitão no estado-maior do exército de ocupação.
venner sublinha as duas vidas e as duas europas de jünger: a europa combatente da guerra das nações de 1914 e da guerra civil europeia dos anos vinte e trinta. desta europa e de jünger nesta europa são os ‘livros de guerra’ – sobretudo tempestades de aço. contam a aventura do risco e da camaradagem, a carnificina e o medo das trincheiras, a batalha dentro de cada um.
saído da guerra e da derrota, jünger não vive a aventura dos corpos francos, mas está na linha da frente do nacionalismo revolucionário. por uma vez, o esteta, o cavaleiro, será também um militante. este tempo de militância política acaba e sintetiza-se em der arbeiter, o trabalhador, uma tentativa de programa alternativo.
jünger iniciou o exílio interior quando o movimento de reacção a versalhes e ao diktat triunfava com hitler e os nacionais-socialistas. nada pior para um idealista, que a vitória dos próximos que para ele, caricaturam ou deformam o sonho.
em 1939 publica sur les falaises de marbre, uma narrativa utópica que é uma crítica do estado nacional-socialista. goebbels percebe e quer mandar prendê-lo, mas hitler interpõe-se. «não toquem em jünger». (fará o mesmo, depois do 20 de julho de 1944). ‘a pour le mérite’ e o prestígio do herói, herói de uma guerra em que também fora combatente, levavam o führer a proteger o dissidente.
mas este perdera a paixão das batalhas. talvez por que, do modo que as alternativas estavam traçadas, não tinha lugar nelas. não estava com os que tinham assumido o governo da pátria, mas tão pouco podia virar-se contra ela.
com o crepúsculo da europa – que com dezenas de milhões de mortos pagara o preço da glória e da loucura – jünger assumiu o papel de profeta, um profeta lúcido, oracular, tranquilo. mas lembra aquele cavaleiro de dürer que acompanha a morte. ‘realismo heróico’ ou ‘idealismo romântico’, na sua lucidez, na sua austeridade, na sua sabedoria trágica mas serena, é um mestre para qualquer tempo.
até para o nosso, desta europa perdida entre burocratas sem imaginação e mercadores falidos.
(*) ernst jünger – un autre destin européen, dominique venner, éditions du rocher, paris, 2009.