Os possíveis perigos de comer marisco no Verão

Não existem toxinas mortais em águas portuguesas, mas as crianças ou os idosos devem estar atentos ao consumo de bivalves contaminados. Das cinco mil espécies de microalgas, apenas 40 produzem toxinas capazes de entrar na cadeia alimentar humana.

o marisco sabe sempre melhor quando está calor, mas é também nesta época que existe maior risco de se ficar doente a comê-lo. um risco, ainda assim, diminuído graças ao programa de vigilância do instituto de investigação das pescas e do mar (ipimar) que à mínima ameaça interdita a comercialização dos bivalves contaminados por toxinas.

produzidas por microalgas, as toxinas são ingeridas pelos bivalves «durante o processo de filtração que estes realizam para se alimentarem», explica carlos vale, investigador coordenador do ipimar.

apesar de não existirem toxinas mortais nas águas portuguesas, podem debilitar seriamente crianças, idosos ou pessoas com sistemas imunitários mais frágeis. um adulto saudável que ingerir bivalves contaminados pode ficar com náuseas, sentir vómitos e ter diarreias – que se prolongam durante dias ou semanas. pessoas com intoxicação aguda também podem apresentar problemas respiratórios, que nalguns casos podem ser fatais.

os bivalves contaminados não têm sabor, cheiro ou cor diferentes dos que estão em condições para consumir. por outro lado, a fervura não destrói as biotoxinas, apesar de ser útil na eliminação de bactérias. por esta razão, todos os bivalves estão sujeitos à contaminação e os mais capturados são: mexilhão, berbigão, amêijoa-boa, amêijoa-macha, amêijoa-japónica, amêijoa-branca, conquilha, longueirão, ostra, lambujinha, pé-de-burro, ameijola e navalha.

as toxinas mais frequentes são as responsáveis pelas síndromes dsp, psp e asp, «sendo os nomes associados aos efeitos tóxicos no homem – d de diarreicas, p de paralisantes, a de amnésicas», explica ao sol o investigador carlos vale. as últimas duas letras, comuns às três, são s de shellfish (marisco) e p de poisoning (envenenamento).

das cinco mil microalgas, 40 com toxinas potentes

das mais de cinco mil espécies de microalgas conhecidas, cerca de 300 podem ocorrer, por vezes, em número tão elevado que alteram a cor da água, mas apenas cerca de 40 têm a capacidade de produzir toxinas potentes que poderão entrar na cadeia alimentar humana. no entanto, quando os bivalves são colhidos em períodos de florescimento das algas, a água do mar não apresenta necessariamente nenhuma coloração invulgar, de acordo com o ipimar.

de acordo com paulo vale, investigador do ipimar que publicou estudos e artigos sobre a contaminação de bivalves por toxinas, este florescimento de microalgas tóxicas tem aumentado a partir dos anos 70, «em frequência, intensidade e distribuição geográfica».

o aparecimento em massa das algas é um «fenómeno natural e recorrente nas águas costeiras, estuarinas e lagunares», acrescenta carlos vale.

embora esta ocorrência seja relacionada com processos oceanográficos «não é possível prever a sua intensidade, duração e extensão na zona costeira». apesar disso, marisqueiras como a fialho, perto de tavira, já sabem que mal começa o calor há sempre marisco que não podem vender, devido à interdição da apanha.

a ria formosa, de onde vem a maior parte dos bivalves à venda no fialho, é sempre uma das zonas com mais interdições. «quando as amêijoas e as conquilhas estão contaminadas é pior, porque são os petiscos que as pessoas mais pedem», conta ana cristina, daquele restaurante algarvio.

no caso das amêijoas, a marisqueira tem um viveiro próprio, mas enquanto a interdição estiver imposta não as podem vender. «faz um bocadinho diferença nas contas, mas as pessoas também já sabem que todos os anos é assim e acabam por optar por outras coisas».

de acordo com informação do ipimar (www.inrb.pt/ipimar), desde 27 de julho que está interdita a apanha e a captura de todos os bivalves na zona de portimão/lagos – devido à presença de lessotoxinas –, tal como a apanha de mexilhão na costa algarvia junto a faro e olhão – devido à presença de toxinas que provocam intoxicação paralisante.

joana.andrade@sol.pt