A derrapagem orçamental é inevitável este ano?
Tudo aponta nesse sentido. Nada disto é surpresa e tem um significado muito importante: a estratégia inscrita no memorando está errada desde o princípio e não produz os resultados que procurava. E dá origem a uma situação de pré-ruptura social.
Mas é importante Portugal atingir o défice orçamental de 4,5% este ano e de 3% em 2013?
São metas inatingíveis. No exercício orçamental de 2013 já veremos o peso dos juros a sentirem-se no orçamento. É a espiral de endividamento e pressão sobre o défice sem saída.
O Governo tem procurado mais receitas e novos sítios onde cortar a despesa. O que pode ser feito?
O Governo não pode fazer nada para equilibrar o défice senão agrava o problema. Na famosa quinta revisão do memorando provavelmente será pressionado para o fazer. A dita complacência da troika não se irá concretizar. Espera-se o aumento das taxas médias do IVA, o que provavelmente levará a uma contracção da receita fiscal.
E uma nova taxa nos rendimentos?
Defendo antes uma taxa sobre a propriedade, aí poderia haver activos financeiros e imobiliários para repor a justiça fiscal. E medidas de combate à fraude fiscal, como seja fechar todas as portas abertas à evasão de capitais para paraísos fiscais.
Diz que o caminho seguido está a falhar. Qual é a alternativa?
Temos de escolher entre a reestruturação da dívida agora, a curto prazo, ou um default (incumprimento) a médio prazo. Não é preciso fazer mais experiências para vermos que a via recessiva de ajustamento não produz as consequências previstas e a dívida vai aumentando a um ritmo que a torna insustentável: é o momento em que o peso dos juros é de tal ordem que toda prestação pública de serviços, nomeadamente a nível da reparação das infra-estruturas, começa a entrar em colapso.
Caminhamos nessa direcção?
A tendência é essa. Têm predominado as obrigações para com os credores, mas isso é insustentável, passa a estar em causa a sustentabilidade de uma sociedade. Em Setembro, o FMI deverá exigir um plano de financiamento anual até Setembro de 2013 e com essa necessidade pode vir a ideia de um segundo memorando. Esse é o momento da clarificação: ou aceitamos e acordamos o prolongamento do estado de excepção durante quatro anos, ou mais, ou então a decisão a ser tomada pode ser a suspensão do serviço da dívida para sobrevivermos enquanto sociedade. Nesse momento temos de negociar com os credores para levar a dívida para níveis sustentáveis. Não podemos iludir as pessoas com uma tolerância no défice ou mais um ano…
Ou seja, nem mais tempo nem mais dinheiro?
Não. É preciso acabar com esta loucura da austeridade rapidamente. Pôr termo a esta loucura agora. Isto é fácil dizê-lo e é mais difícil fazê-lo, no sentido em que era preciso ter uma maioria política capaz de a concretizar.
Uma solução dessas poderia implicar a saída do euro e a manutenção da austeridade…
Não sei se seria necessário a saída do euro. O problema coloca-se a nível do défice externo. Tal exigirá medidas que podem não passar pela saída do euro, na fronteira do que é admissível na União Europeia. Passam por derrogações de cláusulas da livre concorrência de modo a limitar algumas importações.
Por exemplo?
Impostos especiais que limitem algumas importações, como os combustíveis. E agir da mesma forma sobre as exportações de modo a aliviar alguma carga fiscal e de sectores que substituem importações. Era preciso activar medidas que não são ortodoxas. A saída do euro terá, no entanto, de ser discutida. O problema nestes dias pode ser que, rapidamente, sejamos confrontados com escolha não de ficar ou sair do euro mas sim de o próprio euro ficar em causa.
A alternativa oferecida à população é a mesma: aperto do cinto.
Não existe nenhuma saída fácil para uma crise de grandes proporções do capitalismo. Agora, há uma grande diferença entre pseudo saídas que pretendem manter a hegemonia do sistema financeiro e umas saídas igualmente difíceis, mas que tenham como objectivo preservar o estado social e procurar corrigir as duas principais entorses: a repartição do rendimento e a hegemonia do sistema financeiro.