Liga espanhola: resgate precisa-se

Falar de futebol em Espanha sem referir Real Madrid e Barcelona é algo raro por estes dias. Títulos e conquistas à parte, o monopolismo financeiro partilhado por ambos tem sido um foco de críticas, principalmente no modelo que rege os direitos das transmissões televisivas na Liga Espanhola. Daqui resulta uma crise de dívidas que está…

a 1 de julho, a selecção espanhola sagrou-se bicampeã europeia, fechando um ciclo de quatro anos em que dominou o futebol mundial – conquistou os europeus de 2008 e 2012, e pelo meio o mundial de 2010. mas este sucesso a nível de selecções não disfarça o buraco em que os 44 clubes profissionais estão caídos: a dívida total supera os três mil milhões de euros e metade desse valor é relativo às 20 equipas que disputam a liga principal.

o problema não é novo, e parece não ter fim. mas nem por isso os últimos anos tornaram comedidos os dois gigantes do futebol espanhol. em 2009, o real madrid desembolsou 96 milhões de euros para contratar cristiano ronaldo e um ano antes fora kaká, por 60. ao mesmo tempo, o barcelona juntara cerca de 50 milhões para ir buscar o sueco zlatan ibrahimovic.

esta época, porém, pouco se têm visto. o real continua com os milhões guardados nos cofres enquanto procura o jogador para o meio-campo desejado por josé mourinho. e o barcelona apenas contratou o recém-sagrado campeão europeu, jordi alba, ao valência, por 14 milhões de euros.

gigantes deixam migalhas

mais do que títulos e história, esta supremacia explica-se pelo dinheiro. em 1996, os clubes começaram a negociar os direitos de transmissão televisiva dos seus jogos. desde então, cada clube está encarregue de negociar os seus próprios direitos, individual e directamente, com a mediapro, a única operadora de televisão a quem a liga de futebol profissional (lfp) incumbiu de explorar e comercializar esses direitos.

este modelo, semelhante ao português, não prima pela equidade dos lucros. o real madrid já conquistou 32 ligas espanholas, o barcelona venceu 22, e cada vez que os dois gigantes se enfrentam no clássico há milhões de pessoas coladas aos ecrãs de televisão um pouco por todo o mundo.

o duelo junta as duas equipas que mais lucro atraem no futebol espanhol – e no mundo. em abril, a revista norte-americana forbes listava o real e o barça, respectivamente, como o segundo e o terceiro clubes mais valiosos do planeta, só atrás dos ingleses do manchester united.

isso reflecte-se nos seus ganhos: merengues e blaugranas registaram, cada um, à volta de 140 milhões de euros em lucros com os direitos televisivos. as receitas do valência, terceiro classificado no campeonato, cifraram-se nos 48 milhões. ao todo, os dois gigantes partilharam quase metade da receita total dos direitos televisivos da primeira liga espanhola.

«este sistema resulta em dois clubes muito ricos, os mais ricos da europa, e 18 cada vez mais endividados» – assim o resumiu miguel ángel gil, delegado do atlético de madrid, que na época transacta lucrou 47 milhões de euros com os seus direitos.

em países como a inglaterra ou a alemanha, os ganhos televisivos reúnem-se num bolo que depois é dividido mediante um modelo colectivo, onde todos recebem fatias semelhantes. o bayern de munique, segundo classificado da última bundesliga germânica, recebeu apenas o dobro do colónia, que terminou em último. na premier league inglesa, à partida, cada equipa soube que teria 46,5 milhões de euros assegurados com a divisão da receita total dos direitos televisivos.

aliados à facturação na bilheteira e no marketing, são estes ganhos que, por espanha, permitem ao barcelona e real madrid continuarem todos os anos a gastar milhões em contratações, apesar de serem os clubes com as maiores dívidas às finanças espanholas e a credores externos – o barça regista 580 milhões de euros e o real andará à volta dos 590. este ano, o el país estima que as receitas televisivas da liga aumentem para os 755 milhões de euros.

a cinco dias do início da liga, na última terça-feira, o cenário continuava preocupante: ninguém sabia quem transmitiria os encontros do campeonato e 13 clubes (g13) chegaram a ameaçar com um boicote à primeira jornada, que se disputa amanhã.

tudo porque a lfp agendou vários jogos para as 23 horas – permitindo o visonamento em directo em muitos países asiáticos – uma medida que muitos perspectivam que afaste os adeptos das bancadas e coloque mais peso no lado da balança da mediapro: o tardio horário pode estimular os adeptos a ficarem antes sentados no sofá, em casa, diante da televisão.

estas dúvidas são o culminar do que começou em abril de 2010. uma decisão da comissão nacional de competência (cnc) espanhola ditou que os contratos de transmissão televisiva da liga espanhola não pudessem ter uma duração superior a três anos.

esta decisão fez com que os contratos que a mediapro tinha com alguns clubes se tornassem desajustados e, simultaneamente, abriu caminho à entrada no mercado de uma segunda operadora, a canal+, com a qual vários clubes passaram a negociar as suas parcerias para as épocas seguintes. entre os 13 ‘rebeldes’, nove estão vinculados a esta estação.

a guerra estalou: como represália, a mediapro começou a não pagar as verbas previstas na restante duração dos contratos que tinha com os clubes que a trocaram pela canal+. e os responsáveis desses clubes, por sua vez, queixaram-se de serem «perseguidos» pela lfp, acusando-a de não defender os seus direitos, ao marcar os jogos para altas horas da noite.

o novo-rico que pouco durou

com as receitas de bilheteira em queda (excepção feita a barcelona e real madrid) e face às irregularidades da mediapro, os clubes lutam para controlar a sua balança financeira, ao mesmo tempo que vão tentando manter-se competitivos. na época passada, e mesmo registando uma dívida a rondar os 45 milhões de euros, o atlético de madrid não hesitou em pagar 40 milhões ao fc porto por falcao. mas neste paradoxo há um melhor exemplo.

no verão de 2010, os milhões de bin nasser al thani abriram uma nova porta ao málaga. o xeque do qatar acabara de comprar um clube afogado em dívidas com a pretensão de o empurrar para o topo do futebol espanhol. o projecto seria alimentando pela sua ânsia de transformar a equipa num clube que pudesse ombrear com o real madrid e barcelona.

num par de anos, o qatari investiu cerca de 220 milhões de euros. o resultado foi um quarto lugar na última edição do campeonato e uma inédita qualificação para a pré-eliminatória da liga dos campeões. estes foram os frutos desportivos. financeiramente, o clube andaluz está falido.

só na época passada, o málaga dedicou uma fatia de 60 milhões de euros do seu orçamento à contratação de dez jogadores. uma quantia que lhe permitiu contar com nomes como o do francês jérémy toulalan, o dos holandeses mathijsen e van nistelrooy, ou o do espanhol santi cazorla. agora, deste quarteto, apenas o gaulês se mantém, por enquanto, no plantel. cazorla, internacional espanhol que chegara a troco de 20 milhões de euros, foi um dos primeiros a sair este verão, por 15 milhões, para os ingleses do arsenal.

o arrojado projecto de al thani sucumbiu por falta de acompanhamento dos lucros: o málaga não enche o seu estádio e não lucra os milhões em marketing e vendas de camisolas capazes de competir com os dois colossos do futebol espanhol. além de não ter as mesmas receitas nos direitos televisivos. a solução passa agora por vender os seus melhores jogadores.

sem que tenham já sido dadas justificações, o quarto classificado da liga espanhola foi posto à venda e procura um comprador que pague os 32 milhões de euros anuais em salários do plantel e consiga liquidar uma dívida que rondará os 300 milhões.

diogo.pombo@sol.pt