«afinal o burro é esperto», disse satisfeito manuel da palma, referindo-se ao animal que o ajuda no trabalho do campo e que fugiu durante dois dias ao incêndio que devastou a serra algarvia há um mês.
o burro, que o dono disse chamar-lhe ‘carocho’, já tinha em 2004 fugido ao fogo que atingiu a povoação de alcaria fria, freguesia de santa catarina da fonte do bispo, e agora no fogo de julho passado esteve quase 48 horas a andar à frente das chamas, como contou à lusa manuel da palma.
«safou-se do fogo. andou duas noites e dois dias aí, à frente do fogo, e ainda cá estamos os dois», afirmou o dono, sublinhando que em 2004 «também fugiu» e agora foi encontrá-lo a «quase 15 quilómetros», já bem perto da sede de freguesia.
«não sei onde ele se agachou, porque só depois do fogo é que fomos à procura dele, pensando que o encontrávamos já sem vida, e ele lá estava. cá está ainda, fazendo companhia ao dono», acrescentou o idoso, de 82 anos, que vive acompanhado pela mulher numa zona interior da serra de tavira.
manuel da palma reconheceu que, quando foi à procura do animal, «não contava já encontra-lo com vida» e pensava que iria ter de chamar uma máquina escavadora para abrir um buraco e enterrá-lo, por isso não escondeu a satisfação por o achar com vida.
«fiquei muito contente com isso. é claro que ainda me dá uma ajuda grande à minha vida», afirmou, numa referência a trabalho que todas as manhãs o burro ajuda a realizar no campo.
este camponês contou ainda que, apesar de não ter ficado com a casa destruída, «o que tinha foi-se tudo embora».
«tudo o que trabalhei, e já tenho 80 e tal anos e tenho feito a minha vida sempre aqui. tinha aí umas coisinhas, pensando que era para mim, mas mais para a minha filha e ainda mais para a neta, como sobreiros, medronheiros, e desapareceu tudo», lamentou.
com estas perdas, o casal perdeu também o único complemento que tinha à pequena reforma que aufere. «era uma ajudinha que tínhamos, a reforma é pequenina e enquanto se gastava daqui não se gastava do outro lado», disse.
victor fletcher é um inglês que escolheu há nove anos morar na serra algarvia, em alcaria fria, e que viu o burro de manuel da palma passar a correr pela principal estrada que atravessa a povoação, quando o fogo se aproximava.
«às seis da tarde, quando o fogo estava mesmo forte, o burro passou aqui na estrada, com o fogo por trás. nessa altura estávamos a pensar se devíamos nós ir embora ou não. sabemos que os donos do burro acharam que era melhor soltá-lo, porque teria melhores hipóteses de sobreviver. e ele já está de volta, porque sobreviveu ao fogo», contou.
lusa/sol