por muitos – designadamente figuras gradas da área da maioria – foi criticada a opção por um recinto fechado para a realização da festa, parecendo reflectir receios do livre contacto com a população e de uma fraca afluência de militantes e simpatizantes.
o calendário cumpriu-se, o figurino decidido também, mas o discurso foi incoerente, imprudente e, mais do que isso, uma desilusão.
incoerente: afirma o primeiro-ministro que no que era importante não falhámos e refere o cumprimento das metas do défice. ora, bem sabemos o expediente a que se recorreu no ano transacto para o conseguir e todas as previsões apontam para que este ano ou se repetem medidas do género ou não será possível alcançar o objectivo definido e acordado.
a referência desgarrada à regra de ouro, como varinha milagrosa construtora de todas as virtudes no domínio das finanças públicas, esbarra frontalmente com o facto de ela já ter sido introduzida em espanha e na irlanda e a situação nesses países ser a que se conhece, em termos de indicadores económicos e sociais.
imprudente: no próprio dia em que se conhecem as mais elevadas taxas de desemprego alguma vez registadas no nosso país, a mais elevada descida da riqueza produzida desde 2009 – o pico da crise – a mais elevada queda da procura interna e em que não se desconhece a grave situação em espanha – o nosso mais relevante parceiro comercial externo – bem como todo o contexto envolvente, europeu e mundial, afirmar que 2013 será o ano de viragem e de recuperação económica não será muito avisado. as previsões do banco de portugal e de vários os organismos internacionais, como a união europeia, a ocde ou o fmi apontam em sentido bem distinto. os sinais de debilidade são muitos, marcados e demasiado preocupantes para que se possa fazer uma afirmação tão optimista sem indicar qualquer medida concreta que a sustente.
uma desilusão: quando todos hoje compreendem que o que mais falta faz à solidez das finanças públicas é economia, nem uma única medida é avançada neste domínio; nem uma única palavra é dedicada à política europeia, designadamente ao papel do banco central europeu no combate ao excessivo nervosismo dos mercados relativamente às dívidas soberanas; nem uma única palavra concreta é adiantada em relação ao orçamento do estado para 2013; nem uma única ideia objectiva é lançada no sentido de criar nos portugueses um sentimento de esperança no futuro, porque tudo o que se avança é inconsequente ou desmentido pelos próprios factos ou a realidade vivida e sentida: na tragédia do desemprego, nas dificuldades no acesso à saúde, na impossibilidade, para um cada vez maior número de famílias, de suportar as despesas escolares dos seus filhos, de aceder à alimentação necessária ou de assumir as suas despesas essenciais.
a tudo isto o primeiro-ministro – que, mais uma vez, afirma a surpresa do governo com a dimensão recorde do desemprego e atribui a culpa ao último governo socialista – também adianta que, se as coisas correrem mal ao governo, a responsabilidade, em última análise, será dos portugueses – enquanto parceiros, partidos ou profissionais – por não terem aderido à correcta, esforçada e responsável mudança de comportamentos e de mentalidade que o governo está a empreender.
sobre a receita actualmente em execução e imposta, como é sua opção e exigência, pelas instâncias internacionais que financiam o programa de assistência em curso, nada se refere. mas as suas consequências estão à vista, não só em portugal como nos outros países onde está também a ser aplicada. mede-se em desemprego, recessão e mais recessão. seria a altura de rever a posologia – qualquer medicamento em dose excessiva é tóxico e pode matar – mas isso o governo não quer, porque acredita piamente na receita. e por muitos actos de contrição que manifeste em público, verdadeiramente está a levar a cabo a ‘regeneração’ – como lhe chamava ainda há dias irene pimentel – em que ideologicamente acredita.
as mais recentes estatísticas sociais na união europeia apontavam para um número sem precedentes de desempregados, designadamente o dos jovens altamente qualificados, para um crescimento das desigualdades de rendimentos, para um aumento da pobreza e do risco da pobreza. socialmente, este é um desastre de grande dimensão.
vivemos tempos altamente perturbados. um relatório recente, conduzido instituto federal suíço de tecnologia, referia que apenas 147 empresas dominam cerca de 40% do poder financeiro mundial, ditando as regras do mercado. a isto só se responde com maior concertação política. precisamos, pois, de mais europa e da europa dos valores, não da europa dos interesses. e de uma europa que imponha esses valores no concerto das nações, em que as pessoas e a sua dignidade inerente sejam fundamento e não instrumento.
não tenho grandes dúvidas de que, depois de passada esta tormenta e avaliada a dimensão do desastre, se verificará que muitas são as formas de cometer crimes contra a humanidade, que não apenas o extermínio de massas. viver sem esperança é uma forma lenta de morrer.
*economista e eurodeputada