Graffiti no meio do Atlântico

Enquanto Banksy andava a pôr a organização dos Jogos Olímpicos de cabelos em pé com as suas obras flash pelas paredes de Londres (havia regras rígidas para impedir a realização de grafittis durante o evento), em São Miguel dava-se o movimento contrário.

vários artistas empreenderam uma autêntica romaria a ponta delgada para mostrarem os seus trabalhos. o mote era a segunda edição do festival de arte pública walk & talk que reuniu mais de 40 nomes durante os 15 dias do certame. e apesar da festa ter acabado formalmente no passado domingo, a verdade é que as obras vão continuar nas paredes – enquanto a erosão do tempo permitir – e há artistas que prolongaram a sua estadia só para continuar a dar vida aos edifícios micaelenses.

veja aqui fotografias de algumas das obras expostas nas ruas.

«primeiro vou aproveitar estes dias: apanhar sol e conhecer a ilha e só depois vou pintar. aliás, por mim, podia haver festivais destes todos os fins-de-semana em ilhas diferentes!», brinca alby guillaume, aka remed, enquanto bebe uma cerveja na galeria w&t em ponta delgada.

de facto, não há pressa. o francês, que tem uma obra marcada pela u cor e pelas formas geométricas, é reconhecido pelos seus pares como ‘um artista de traço rápido’ e portanto não é difícil imaginar que o alto edifício da finançor ganhe contornos do dia para a noite. enquanto isso não acontece, alby bebe mais uma especial (cerveja local) e deita conversa fora com okuda.

o espanhol, licenciado em belas artes pela universidade complutense de madrid, tem na arte urbana apenas um dos seus múltiplos interesses que passam também pelo vídeo e pelas instalações. «comecei quando tinha 16 anos a fazer uns riscos na parede e depois percebi que podia fazer mais do que apenas assinar o meu nome por toda a cidade de santander, foi aí que percebi que queria ser artista plástico», partilha.

pela cidade, o festival é uma descoberta constante. cada rua estreita esconde uma baleia gigante (no caso do portuense hozul) ou um painel dos surpreendentes azulejos de diogo machado. «quando vi esse trabalho, pensei ‘mas o que é que eles têm na cabeça para porem azulejos completamente banais aqui no clube naval?!’ só quando me aproximei é que vi que cada azulejo é na verdade um tromp l’oil: são formas animadas, cómicas e absolutamente enternecedoras», comenta o director do clube.

mas não é só na capital que estão as grandes obras. mário belém foi para capelas, no lado norte da ilha, desenvolver o seu trabalho de frente para o mar. e eme e topo envolveram a comunidade de rabo de peixe nos seus projectos. «as pessoas interagem muito. perguntam, querem ver como se faz e querem fazer mas é importante mostrar que há uma técnica por trás para que não haja a tendência de cada um sair por aí com uma lata da tinta e fazer o que lhe apetecer!», comenta jesse james da organização.

entre as cabeças de cartaz, destacam-se ainda os portugueses hazul, inês ribeiro, mário belém, target e alexandre farto (aka vhils) e o americano mark jenkins (conhecido pelas suas esculturas que parecem pessoas reais em sítios inusitados) e o canadiano roadsworth que entre 2001 e 2003 fez mais de 300 desenhos de stencil em montreal (pelos quais acabou por ser preso em 2004).

no entanto, a população manteve-se ao seu lado e hoje é um dos artistas canadianos mais reputados na arte pública. ao lado destes pesos pesados esteve ainda o belga yves. mas aqui é necessário abrir um parêntesis. yves tinha um restaurante na floresta laurissilva que se chamava pavillon. ele e o seu companheiro roland, recebiam apenas seis pessoas por noite e o sítio era uma meca para os locais. durante 15 anos, foi aí que se fizeram os pedidos de casamento mais românticos, os jantares mais íntimos e os reencontros mais desejados. mas em 2010, supostamente, questões políticas levaram ao encerramento do espaço.

para fazer face às despesas, yves começou a fazer – sob encomenda – pinturas por toda a ilha. e não há lugar, por mais pequeno que seja, que não tenha um trabalho seu. «quando lhes fecharam o restaurante houve um movimento no facebook: ‘salvem o pavillon’. isso não foi possível mas agora toda a gente quer ter uma pintura do yves», comenta a organização. o belga também viu o seu trabalho exposto na galeria w&t mas ao contrário dos seus colegas, prefere manter o low profile.

patricia.cintra@sol.pt