Pensaram que era de Angola, não é? Acho que nem um mês tinha quando fui para Angola. depois andei cá e lá, mas fiz lá a escola primária, o liceu.
Mas os seus pais nasceram em Angola?
Não, também nasceram em Portugal. o meu pai era industrial, tinha várias coisas na Figueira da Foz e resolveu ir embora. vendeu tudo o que tinha e esteve indeciso entre o Brasil e Angola. acabou por ir para Angola, tinha lá um amigo que lhe recomendou. a minha mãe estava a estudar na universidade de Coimbra, depois acabou o curso e foi lá ter com ele. nessa altura, eu também fui, tinha acabado de nascer. depois estive lá por um bom período seguido e vinha cá quando os meus pais vinham de férias. Fiz o liceu em Angola do primeiro ao quarto ano, depois o quinto fi-lo cá num colégio em Tomar, voltei para lá e depois fui para Inglaterra.
Estudar?
Estudar relações públicas e especializar-me em turismo. Depois voltei a Angola, fiz a tropa em Luanda, e entretanto acabei por ser convidado para director de turismo da star, uma agência representante da American Express em Angola. E depois por brincadeira entrei no mundo dos trapos.
Que brincadeira foi essa?
Tinha um casal amigo, dois professores que foram transferidos para Moçambique e no mês seguinte tinham de viajar. precisavam de desmontar a casa e tratar de tudo num curtíssimo espaço de tempo. Eram donos de uma boutique, em frente ao meu trabalho, tinham de trespassá-la num mês e estavam com uma série de dificuldades. comprei-lhes a boutique e foi assim que entrei neste mundo.
Mas gostava de ajudar a sua mãe na costura.
Sim, já gostava. já desenhava, ajudava a minha mãe.
Já desenhava figurinos?
Sim, mas nada de importante.
E costurava?
Não, nunca costurei. Não sei nada de costura, não sou capaz de fazer nada. Tenho noção de tudo e sei explicar, porque aprendi na escola e ao longo da vida.
Nasceu em 1949 e nesse mesmo ano foi para Luanda. o que recorda da sua infância?
Foi muito simpática, para já não tinha a noção de espaço. só quando vim viver para a Europa é que me dei conta disso, aqui estamos muito compartimentados. Em Angola fomos todos criados muito à vontade, as casas eram grandes, todas tinham jardim, era completamente diferente. depois havia a família e os amigos, que eram muito importantes. muitas das pessoas que lá estavam não tinham consigo as suas famílias. Lembro-me que o Natal em Angola, em minha casa, era sempre com imensa gente. era o meu amigo, a amiga da minha mãe, o amigo do meu pai…
Um ambiente muito descontraído.
Era uma vida muito despreocupada, de muita praia (praticamente todo o ano). e quando não podia ir à praia, era verão em Portugal, as férias grandes, e aí vinha para cá. Em Angola, as escolas tinham a mesma periodicidade de cá. por isso para mim era sempre Verão.
A sua família era tradicional?
Era. mais tarde os meus pais divorciaram-se e eu fiquei com a minha mãe, mas eles sempre se deram muito bem. foi tranquilo. tinham pequenos despiques, nada de especial. por exemplo, quando eu quis ir estudar para Inglaterra, o meu pai apoiou-me imediatamente e a minha mãe não.
É filho único?
Não, tinha uma irmã que, infelizmente, faleceu há dois anos.
Luanda, apesar de ser jovial e aberta, ao mesmo tempo era muito conservadora. como era visto um rapaz no mundo dos trapos?
No fundo, os angolanos têm uma mentalidade mais aberta. quando abri a minha primeira loja já eram outros tempos, finais dos anos 70. nunca fui pressionado nesse aspecto.
Abriu a sua primeira loja em Luanda em 1973. mas ela durou pouco, já que depois veio para Portugal.
Vim para cá em 76, um pouco mais tarde, mas ainda apanhei o boom das pessoas que saíram.
Essa vinda foi complicada?
Foi. Havia a noção de que o país estava a desmoronar-se. íamos normalmente a um sítio e depois víamos que já nada daquilo existia. Lembro-me de ouvir uma senhora, que era belga, do melhor restaurante de Luanda, o clube naval, dizer: ‘desolée, tenho arroz e tenho feijão, agora vinhos tenho o châteauneuf-du-pape e os que vocês quiserem’. Os vinhos continuavam na casa, o resto tinha desaparecido. houve uma altura em que a minha empregada foi ao mercado, em frente ao prédio onde eu vivia, chegou a casa e disse-me que não havia nada. nessa altura, O melhor que se podia fazer para retribuir um favor era convidar-se alguém para almoçar ou jantar.
Depois de uma experiência dessas uma pessoa desenrasca-se em qualquer parte do mundo.
Acho que sim, é um curso e tivemos de aprender muito rapidamente. um pouco mais tarde resolvi fechar a casa e fui viver para o hotel trópico.
Tem mais episódios dessa época?
Por exemplo, no hotel, um dia pedi o serviço de despertar, primeiro às seis e depois às seis e meia, porque ia apanhar um avião e tinha medo de adormecer. ligaram-me depois: ‘camarada (naquela altura já se tinha de tratar as pessoas assim), serviço de despertar seis horas, seis e meia’. respondi: ‘oh camarada não era assim, era para me despertarem primeiro às seis e depois às seis e meia’. ‘ah, não tem problema nenhum, são 6h15’. portanto, fizeram a média e despertaram-me apenas uma vez. este tipo de episódios era comum, todas as pessoas preparadas estavam de partida. tentava-se substituí-las, mas os substitutos ainda não estavam preparados para assumir essas funções.
Que idade tinha no seu regresso a Portugal?
Vinte e tal. mas estive de passagem, fui logo para inglaterra estudar. quando comecei a boutique, primeiro estava a importar as coisas. mas ao fim de pouco tempo cheguei à conclusão de que o que me dava gozo não era isso, mas sim fabricar as roupas. e ainda o comecei a fazer em angola, tenho até hoje uma bordadeira – que ainda faz coisas para mim quando preciso – desses tempos. isto nos anos 70, em que estavam na moda aquelas coisas inglesas, tudo o que era influência dos beatles, e começámos a fazer vestidos em crepon. já tinha umas costureiras a trabalharem comigo. isto foi o princípio de tudo. na altura cheguei à conclusão que era isso que queria fazer da vida.
mas como se deu o clique?
depois da primeira boutique, abri outra enorme, com dois andares, que se chamava laurentis. ficava junto ao hotel trópico e como exigia muito de mim, não podia continuar a trabalhar na star. fui ter com o meu director para me despedir e ele pediu-me para ficar apenas como conselheiro. as minhas funções eram organizar viagens, fazer os programas, visitar os locais. passava a vida no ar, chamavam-me globetrotter. chegava a ir para a áfrica do sul tratar, por exemplo, das corridas de kyalami, depois recebia um telex que dizia para tratar do carnaval no brasil.
quem eram os seus clientes em angola?
todas as pessoas em luanda que se vinham embora nessa altura eram minhas clientes. volta e meia ainda me dizem no facebook: ‘sabe que ainda tenho as calças que comprava na sua loja?’. umas calças la finesse que não existiam sequer na europa, uma calças em micro fibra que não se amarrotavam. toda a gente comprava aquelas calças, era uma loucura.
era uma clientela da alta sociedade?
não só. era todo o género de pessoas, até os militares que lá estavam. vendia-se muita roupa. começou a fazer-se uma coisa a que chamavam subversão económica. no aeroporto abriam as malas às pessoas e tudo aquilo que considerassem subversão económica, essencialmente coisas novas, não deixavam sair. com a roupa isso não acontecia, as pessoas podiam trazer a que quisessem. os angolares, o dinheiro de angola, ninguém trazia, não tinham valor nenhum em portugal. traziam os escudos que conseguiam trocar e o resto ficava. foi uma época de ouro.
uma época de ouro só para a roupa, não?
quer dizer, uma época de ouro dentro da desgraça. tínhamos a vida toda estruturada e tivemos que deixar tudo. os meus pais tinham casas, prédios, ficou lá tudo. não foi logo dito às pessoas na altura ‘vamos tornar angola independente amanhã’. não se sabia, as coisas funcionavam normalmente, até que depois houve a independência e tudo se precipitou. portanto, foi um ano e pouco em que a maior parte das pessoas abandonou o país, não porque não fosse fantástico, mas porque havia três partidos, a fnla, o mpla e a unita, que se guerreavam entre si e as pessoas achavam que ia haver grandes banhos de sangue e queriam salvar-se.
quando veio para portugal, muitos dos seus clientes também vieram. portanto, manteve-os?
sim. ainda demorei a abrir a loja em portugal, mas quando a abri alguns dos clientes eram garantidos. era uma altura em que havia muito poucas boutiques em portugal, havia a maçã da ana salazar, as lojas do pedro luz. estávamos no início do prêt-à-porter.
quais foram as grandes diferenças que sentiu quando chegou a portugal?
muitas. primeiro que tudo, o clima. até hoje ainda não me habituei à chuva e ao inverno, embora tenha estudado em inglaterra. mas quando u estamos num país em que não é para ficar para sempre, não se nota tanto, estamos de passagem. depois, foi a mentalidade, as pessoas eram muito fechadas. ainda hoje o são. e também havia uma animosidade contra as pessoas que vinham do ultramar, os chamados retornados. só anos depois é que as pessoas perceberam que viemos dar um impulso a portugal, porque estava tudo muito adormecido. é um bocado como hoje, se calhar, estão contra os imigrantes. esquecem-se que eles vêm fazer o trabalho que os outros não querem.
e entre os retornados havia trabalho qualificado.
então não havia, imenso. enquanto o brasil os recebeu de braços abertos e o canadá também, houve gente que veio para portugal e teve problemas. eu nunca os tive, a não ser uma vez em que me escreveram num dos carros que trouxe, um chevrolet camaro, ‘fascista’. foi um episódio sem grande importância, mas mexeu um pouco comigo.
abriu a sua primeira loja em portugal em lisboa?
no imaviz. e foi um sucesso. depois, em 78, abri o ateliê e aí comecei a fazer mais aquilo que queria. considero que a minha carreira começou verdadeiramente aí.
em portugal quem eram os seus clientes?
a minha paleta de clientes sempre foi diversa. sempre quis ter coisas diferentes. tinha muitas clientes que gostavam de coisas mais ousadas. como vim de angola, sempre tive a influência da cor, essencialmente no verão. no inverno sou mais sóbrio.
até costuma dizer que de verão é africano e que de inverno é europeu.
exactamente. quando vim viver para portugal percebi logo que as pessoas estavam fartas do inverno e precisavam de sol, de férias. daí que eu me tenha preocupado em dar-lhes sempre cor no verão.
vestiu a amália rodrigues, a simone de oliveira, a maluda…
a amália e a maluda eram as únicas que me recebiam em casa delas para as vestir. a amália era muito engraçada. numa ocasião, ela estava a provar, o marido apareceu à porta e ela disse-lhe: ‘não pode entrar. o único homem aqui é o costureiro. vá-se embora’.
ela fazia-lhe alguma exigência em especial?
a amália era um caso especial. no palco usava uns sapatos altíssimos e tínhamos de lhe fazer uma falsa cintura, mais abaixo do que era a cintura dela, para equilibrar com a saia. era um segredo que só eu e mais duas ou três pessoas sabiam. há uma peripécia engraçada que ela me contou: estava num restaurante qualquer no algarve e há um suíço que vai ter com ela, que adorava portugal e o fado, e lhe disse: ‘se a senhora fosse mais alta eu diria que era a amália rodrigues’. e ela respondeu: ‘já me têm confundido muita vez’. e há outra cena engraçadíssima. num espectáculo no coliseu dos recreios, em que também vinha a francesa line renaud cantar, eu tinha feito um fato para a amália, um vestido comprido (ela não ia para o palco de outra maneira). de repente, a francesa diz-lhe: ‘amália, montre-moi tes jolies jambes’ e começa a querer levantar-lhe a saia, e a amália em pânico por causa dos sapatos. uma cena muito caricata em pleno coliseu, a amália a fugir e a line renaud atrás dela para lhe ver as pernas. mais tarde a amália comentou comigo: ‘já viu a maluca daquela francesa, um segredo da vida inteira e queria que eu o desvendasse ali em público’.
por essa altura já estava no circuito da moda nacional. como é que se vivia a moda então?
quando comecei a minha carreira em portugal, a moda ainda era considerada uma coisa fútil. as pessoas não tinham noção – não se falava nisso, a imprensa também não – da quantidade de gente que vivia da moda. na altura havia o boom das fábricas do norte, havia milhares de pessoas que viviam desta indústria, das confecções, mas em lisboa era bem ser-se de uma esquerda intelectual e tudo o que fosse relacionado com a moda era uma coisa que não tinha interesse nenhum. era fútil, fascista. nós portugueses somos muito assim, partimos do oito para o 360, nem é para o 80. de repente chegámos ao final dos anos 90 e a moda já era para tudo. acho que não há nenhuma câmara municipal que não tenha feito desfiles de moda durante vários anos.
chegou a fazer um desfile a bordo de um avião nessa altura?
foi a bordo de um avião da tap e tornou-me conhecido rapidamente. embarcámos em lisboa com vários jornalistas convidados com destino a ponta delgada e quando levantámos voo a chefe de cabina disse que ia ser servido champanhe e que iam ter uma surpresa. quando se disse que se ia dar início a uma passagem de modelos, toda a gente ficou entusiasmada, foi muito giro. desfilámos durante o voo, estava lá a televisão, na altura, em 70 e tal, só havia a rtp. e toda a gente via o noticiário ao domingo, era sagrado em portugal, e eles passaram a reportagem no final do telejornal, com a dalila e a riquita como manequins.
esse voo também fez com que descolasse a nível comercial?
sim, as pessoas começaram a lembrar-se do meu nome a partir daí. depois fiz outro desfile num voo para paris, que também foi muito giro. fiz moda prática à ida e alta-costura à vinda. mas foi noutra altura e já não teve a mesma conotação.
a partir daí começa a ser habitué na televisão, a fazer passagens de modelos no programa do júlio isidro…
sim, tinha uma rubrica de moda nos programas dele. e tinha um programa na rádio comercial com a margarida mercês de melo que se chamava ‘velhos nem os trapos’, que foi um sucesso também. era uma época em que, no fundo, as pessoas estavam ávidas de alguma coisa diferente.
e quando se democratizou a moda, com as zara, a h&m, entre outras, os criadores nacionais ressentiram-se?
todos sofremos uma quebra muito grande em vendas a partir dessa altura, não se consegue concorrer. a h&m de uma peça deve fazer 100 mil. quando chegou a zara, lembro-me que uma amiga me veio dizer que tinha lá comprado um tailleur fantástico e baratíssimo. passada uma semana, telefona-me furiosa porque tinha chegado a casa e a empregada dela estava com um igual.
a verdadeira democratização da moda tem esse contra.
pois. ainda hoje nos rimos quando falamos nisso. no brasil, a mentalidade é diferente. se duas mulheres vão à loja da maria bonita – que de 15 peças faz mil – e se encontram num jantar com um vestido igual, até ficam orgulhosas porque estão as duas vestidas pela maria bonita. aqui não, querem ter sempre o exclusivo. estão a comprar prêt-à-porter o mais barato possível, mas querem que seja único.
mas o augustus já tinha construído um certo estatuto de alta-costura e não estava no mesmo campeonato…
agora com a questão da crise há pessoas que não podem, mas há outras que não compram não porque não possam, mas porque fica mal. felizmente as minhas clientes de angola não estão em crise.
fala-se até das que vêm comprar à avenida da liberdade, em lisboa, nas lojas mais caras da cidade. a elas parece que a crise continua a passar ao lado…
não sei se é assim. há imensa gente que comprava em portugal e que deixou, por culpa dos jornalistas. foram tantas as reportagens sobre os angolanos… o que é que eles fizeram? passaram a ir comprar ao dubai. é fácil, pedem o visto de manhã e já o têm à tarde. o preço da viagem e os preços são iguais aos de cá. há tudo o que há cá e muito mais, e não se preocupam já que ninguém quer saber de onde eles são.
e tem muitas clientes angolanas?
tenho. boas clientes. são mulheres bem posicionadas política e economicamente, de vários sectores. aí eu compreendo o caso da exclusividade, porque luanda, embora seja grande, é uma terra pequena. conhecem-se todas e se forem a uma festa não podem encontrar outra pessoa com um vestido igual. e não estou a falar de um vestido comprado na zara, claro. estou a falar de um vestido feito para a pessoa, com o cuidado de não ter a mesma estampa, o mesmo tecido. são mulheres que estão habituadas ao melhor, a comprar em paris, em milão, em nova iorque. aquela tendência de se fazer de qualquer maneira porque é para áfrica é mentira. é mentira há muito tempo.
a clientela que tinha na altura da independência e a de hoje é completamente diferente?
é, embora eu tenha clientes hoje que já eram desse tempo.
e que ficaram em angola?
sim, clientes angolanas. a minha comadre, a milucha abrantes, que é a mãe da tchizé e do coréon dú, já é minha amiga há muitos anos. sou padrinho de baptismo da tchizé, sou compadre do presidente. embora nunca me tenha aproveitado de nada disso…
mas como nasceu essa relação?
os meus pais já eram amigos dos pais dela. sempre ficámos amigos e ainda hoje a minha comadre é como uma irmã. para já, vemo-nos muito ao longo do ano. ela esteve em washington até há bem pouco tempo, era a directora do investimento estrangeiro americano para angola. agora é presidente da ami em angola. passamos a páscoa juntos, já passámos férias, e é talvez uma das minhas clientes mais antigas em luanda. mas como ela tenho outras.
tem passado muito tempo em angola?
sim. um mês estou cá, outro mês vou uma ou duas semanas para lá. tenho ateliê em luanda e no marquês de pombal [centro de lisboa]…
quantas lojas tem ao todo?
agora tenho menos, três em lisboa e uma em luanda.
a do funchal fechou?
foi destruída durante a derrocada há dois anos.
mas a sua roupa já está em londres, paris, rio de janeiro…
em vários sítios.
outro dado curioso é que vestiu claudia schiffer, laetitia casta. como foi isso? na altura a claudia schiffer era…
era o máximo, uma mulher super-simpática. chegava da passerelle, despia-se e punha o u vestido no cabide. as portuguesas atiram a roupa para o chão e acabou. era a diferença. também gostei muito de trabalhar com a karen mulder, adorou o vestido com que desfilou. já fiz desfiles no brasil e no ano passado, no angola fashion week. aliás, acho que a moda em angola está a desenvolver-se muito rapidamente.
pelos seus desfiles até passaram actrizes.
sim. numa edição do portugal fashion veio a cláudia raia, eu tinha-a conhecido no brasil e ela estava a fazer um sucesso enorme aqui, porque aparecia numa novela. o coliseu do porto estava cheio e quando ela entrou na passerelle, estavam as outras, as francesas e não sei quem mais, mas o grande público conhecia-a a ela, porque a via diariamente na televisão. foi um sucesso. outro ano, também no portugal fashion, desfilou para mim aquela modelo que foi a imagem da república francesa, a inès de la fressange. mas eu nesse ano tinha feito um convite especial que foi aceite. era a mulher do então presidente da república. desfilou para mim.
maria josé ritta?
estou no guinness, porque a única vez que uma pessoa desfilou como manequim enquanto o marido foi presidente, foi a maria josé ritta, no casino da figueira da foz. como era na minha terra, quis fazer uma coisa especial. foi uma loucura. ninguém se preocupou mais com a inès de la fressange, os próprios fotógrafos… acho que foi por isso que os do portugal fashion ficaram a odiar-me [risos].
e como é que um português/angolano com vivências em londres e até um pouco pela europa, vem a casar-se com uma colombiana?
é uma coisa engraçadíssima. eu tinha um amigo que namorava a filha dos embaixadores do méxico. e saiu com ela, que era amiga da minha mulher. ele levou um primo, saíram os quatro, à discoteca. eu fui lá ter, depois saímos para comer e àquela hora só havia o charlie brown. e quando chego, encontro esse meu amigo, com a namorada e a clara. juntei-me e comecei a conversar com a clara, a conversar, a conversar. à noite tive de ir levá-la a casa, o que era normal, tinha estado a conversar com a menina. convidei-a para ir no dia seguinte ao ballet gulbenkian, e… conhecemo-nos em fevereiro e casámo-nos em outubro.
foi fulgurante.
os meus sogros, que eram embaixadores cá, pensavam ir-se embora em janeiro do ano seguinte. o que eles queriam era regressar, fazer o casamento na colômbia e eu disse que não. fomos todos à madeira com os meus sogros e com mais pessoas amigas, eu pedi-a em casamento na madeira e ela disse que sim. acho que não estava a perceber muito bem onde se ia meter. achava que eu estava a brincar [risos].
e ela não receava o meio onde o augustus trabalhava, cheio de mulheres lindíssimas?
no primeiro ano ela estava bastante insegura. mas eu expliquei: ‘se quisesse uma manequim tinha-me casado com uma’. acho que ela percebeu logo. é uma mulher muito inteligente.
entretanto a sua carreira estava lançada e falava-se numa certa rivalidade entre si e o zé carlos…
sempre fomos amigos.
se calhar era empolamento da imprensa.
pois, conhecia o zé carlos já de angola. sempre o considerei muito bom, ele tinha a mania do show-off. sempre tive clientes dele e ele sempre teve clientes minhas. todos os criadores da altura tinham estilos diferentes. também sempre fui amigo da ana salazar, do tenente, da fátima lopes, do miguel vieira. cada um tem os seus clientes.
como define a mulher que veste?
visto as mulheres que não têm idade. e tenho clientes de todas as idades: as filhas, as netas, as mães, as avós. não faço muitos tailleurs, a não ser para ocasiões especiais. acho que é uma coisa que envelhece muito a mulher. as próprias avós, hoje em dia, não os querem. tento fazer uma roupa jovem. venho de uma época em que, quando eu era miúdo, as mulheres aos 50 anos ou aos 40 e tal já mudavam de maneira de vestir, sempre fui contra isso. hoje em dia uma mulher de 50 e tal anos veste-se como a filha. há mulheres de 60 anos com corpos fantásticos e que vestem tudo e há mulheres com 30 que não podem porque estão descuidadas.
sente-se mais português ou angolano?
acho que sou mais um cidadão do mundo. o meu coração está sempre partido entre angola, portugal, colômbia. o que é certo é que sempre que chego a angola sinto-me a regressar a casa. não sei porquê, talvez porque o local onde passamos a nossa infância nos marque muito.