não é fácil chegar à casa de robert wilson. o autor de o último acto em lisboa mora em plena serra d’ossa, no alentejo, numa casa de acesso quase impossível. são três quilómetros de estrada de terra batida, com grandes buracos, pedras, areia, silvas por todos os lados.não é fácil assegurar a integridade do carro ao longo do caminho.
e é melhor fazê-lo: aqui não há rede de telemóvel para chamar a assistência automóvel. o que para uns pode parecer um cenário perfeito para um filme de terror – que fácil seria a matança de uma família,sem ninguém num raio de quilómetros para ouvir os gritos – para robert wilson é o local perfeito para viver.
ali, perdido no meio dos sobreiros, é fácil encontrar a paz necessária. «gosto do isolamento, do sossego. e do calor. dá intensidade à escrita», diz o autor ao sol, debaixo do alpendreda suacasa,ondea sombra atenua os 30 e muitos graus que se fazemainda sentir ao fim do dia.
a relação do britânico com portugal começou quando, em 1987, depois de se casar, robert esteve com a mulher a viajar por áfrica durante um ano, numa carrinha pão-de- -forma, passando por países como o zaire, quénia e tanzânia e atravessando o deserto do saara. ao regressar a londres, o casal sentiu-se enclausurado no apartamento em clapton.
«precisávamos de ar, de espaço.e eu queria escrever». robert e jane decidiram mudar- se.frança pareceu-lhes um destino demasiado seguro e fácil. espanha estava fora de questão para jane, que a considerava muito religiosa e com demasiados ‘machos latinos’. portugal acabou por serodestino escolhido e o casal alugou uma casa na serra de sintra, perto da aldeia do penedo. ficaram dois anos.
a vida corria tranquila, mas robert pouco escrevia. havia muita gente, ruído, solicitações e a necessidade de ganhar dinheiro. meteu-se num negócio de exportação de casas de banho para a nigéria, aceitou um contrato de seis meses com o responsável de uma companhia que vendia castanhas de carité, para fazer a manteiga usada em cosméticos ocidentais.
o punhal de ouro
foi quando uma amiga recebeu de herança um monte alentejano que queria vender, que o casal wilson encontrou a solução. a aridez da paisagem lembrava áfrica,tinham amigos a viver na região e procuravam o isolamento. aproveitaram.
«estando aqui, num local afastado do mundo, é muito difícil fazer dinheiro.tens mesmo que escrever. e fazer com que funcione. foi uma forma de me obrigar a fazê-lo. para ganhar a vida através da escrita é preciso um compromisso total».
resultou. poucos anos depois, em 1995, robert wilson publicava the instruments of darkness, o seu primeiro livro.mas só quatro anos e quatro livros depois viria o sucesso: o último acto em lisboa, editado em 1999, foi distinguido com o gold dagger award, um dos mais importantes prémios britânicos para a literatura policial. a partir daí, o número de livros vendidos cresceu exponencialmente. e robert wilson deixou de aceitar contratos em áfrica e passou a viver exclusivamente da escrita.
«o gold dagger significa que passamos a ser vendáveis. antes ninguém tinha interesse em mim, mesmo na editora.de repente, o director-geral quer conhecer-nos. e o director de marketing também, bem como o director de vendas. percebem que podem fazer qualquer coisa connosco:pôr no livro a faixa com o gold dagger».
mausrapazes
agora, cinco livros depois (entre os quais a tetralogia ‘quarteto de sevilha’, onde conhecemos o inspector javierfalcón), o autor acaba de lançar pena capital, um thriller protagonizado por charles boxer, um especialista em raptos, personagem de tal forma bem construída que se adivinha, a poucas páginas do início do romance, que voltará aos livros de robert wilson.
desta feita, o pano de fundo central é uma londres prestes a receber os jogos olímpicos, onde alyshia, de 25 anos, é raptada. no entanto,quem quer que a tenha levado, não parece querer dinheiro.
apartir daí, começa uma corrida contra o tempo. pelo caminho, vamos conhecer frankd’cruz, pai de alyshia, milionário indiano, isabel marks, a mãe, de ascendência portuguesa, e toda uma panóplia de homens ligados ao crime organizado ocidental, indiano e árabe, aos serviços secretos dos vários países, às polícias. e quase todos estes homens, desde boxer até ao pequeno–e simpático – criminoso skin, partilham uma característica: algo de muito negro os corrói.
este é,como define robert wilson, um romance sobre «bad guys». a ideia surgiu quando, há uns anos, um amigo lhe contou uma conversa com o filho de seis anos.
«perguntou-lhe qual era a melhor coisa do mundo. o miúdo respondeu ‘mauzões’. e faz sentido. no cinema queremos ver um bom vilão. e, quando olhamos para eles, parecem sempre ter amigos e, frequentemente, o amor de uma boa mulher. não parecem sair-se mal na vida. interessou- me o seu carisma e como esse carisma é muito atraente».
a guerra de tróia
também nós, leitores, respondendo a uma clara provocação do autor, acabamos por nos sentir atraídos por estes ‘maus rapazes’. «as suas acções são intoleráveis. é preciso pensar: porque estou eu a aceitar este tipo de comportamento?
há personagens, como skine dan,quefazemcoisas terríveis. mas são engraçados, gostamos deles. mas no fim do livro, ao contabilizar todas as pessoas que mataram, percebemos a extensão daquilo que aceitámos».
mas pena capital vai, ainda, além disso, recuperando a ideia da guerra de tróia: como antes nos contou homero que gregos e troianos se lançaram uns contra os outros numa enorme fúria bélica causada pelo rapto de helena, devido a uma disputa amorosa,também em pena capital há o risco de iniciar uma guerra terrorista devido a um rapto passional de uma mulher.
o que acontece, afinal, quando dois homens fortes se opõem por questões prosaicas e tantos outros os seguem,emguerrasdepoder,políticas e religiosas? o escritor quis tentar perceber para onde está a apontar a nossa bússola ética que, considera,está a mudar.«não exercitamos o nosso músculo moral, por isso podemos mudar.
basta pensar numa mulher que se apaixone por um desses maus rapazes. vai ter que aceitar coisas muito difíceis».
também os leitores vão ter que as aceitar. é que, inevitavelmente, vão gostar de boxer. e o autor faz-lhes a vontade, adiando a despedida: o próximo livro protagonizado por este anti-herói, espécie de dexter versão literária, está já a ser escrito na serra d’ossa.