são sobretudo as condições políticas que fazem a singularidade da região: na maioria dos seus estados, a independência deu-se como consequência da luta armada ou política. em angola, em moçambique, no zimbabué e, noutras circunstâncias, na áfrica do sul e na namíbia, as classes políticas hoje no poder conquistaram-no, não o receberam por transmissão graciosa.
daqui e de um longo processo interno de conflitos, a convicção que a região passou já a sua costa e conta de dragões e entrou num tempo diferente de estabilidade e desenvolvimento.
os mais de quarenta mortos de marikana, rustenburg, na áfrica do sul, aparecem neste quadro com uma sombra ameaçadora. as imagens da polícia disparando sobre os grevistas e de centenas destes com machetes, lanças e machados, imagens globalizadas pelas televisões, trouxeram más memórias e piores expectativas.
as origens laborais do conflito, as condições concretas do acontecimento – pedidos de aumentos salariais, num quadro de rivalidade de organizações sindicais – podem retirar-lhe o significado de confrontação política, deixando-o como mais um desses trágicos incidentes de luta e violência industriais e mineiras, tão comuns na história, não só em áfrica mas também da europa e das américas dos séculos xix e xx.
mas uma parte da opinião pública lança a culpa sobre o governo de jacob zuma e os seus inimigos políticos, sobretudo dentro do próprio anc, usam o caso como artilharia pesada numa altura em que o congresso do partido dominante se prepara para escolher o candidato às presidenciais.
é particularmente embaraçoso para o presidente que a maioria dos mineiros mortos venha do cabo oriental, uma região onde zuma tem tido apoio. a nível do comité nacional executivo do anc, isto pode ser explorado por alguns dos seus rivais, como kgalema motlanthe e tokyo sexwale.
para já, julius malema, da liga juvenil do anc, que tem conduzido uma guerrilha contra zuma, atacou o governo e hostilizou vários ministros do gabinete numa cerimónia fúnebre pelas vítimas, não poupando também a central sindical cosatu. entre outras acusações, malema explicou a não intervenção do governo nas minas pelo facto de zuma e outros políticos importantes do anc serem seus accionistas. além disso, pediu a resignação do presidente zuma e a demissão do ministro da polícia e exortou os mineiros a continuarem a greve.
até hoje, entretanto, as elites dirigentes sul-africanas do anc e fora dele, deram provas de grande capacidade de negociação e composição em situações limite. vejamos se é assim desta vez.