Gritaria

Depois de lançar a discussão sobre a RTP, António Borges veio de novo a público, desta vez com queixas da «gritaria» em torno da hipótese de concessão do serviço público a privados.

também o primeiro-ministro, com a eloquência que o caracteriza, veio falar de «histerismo». não dei por nada. devia estar a tentar perceber se é boa ideia estar a dar a um privado a concessão do serviço público ou se é o estado o melhor a fazê-lo e em que termos o deve fazer. estava certamente a tentar acabar com a ideia de que a definição de serviço público está no domínio do indizível (no passado fim-de-semana). mas gritos e histéricos não ouvi nem vi. o que se passa é uma discussão pública e séria sobre o futuro da rtp, com argumentos válidos e tomadas de posição. o que uns tomam por ‘gritos’, outros interpretam como música para os (meus) ouvidos. quem se incomoda não está à altura da discussão. é curioso que seja logo quem a criou.

pai freud

quando escritas por certas pessoas, as cartas nunca são íntimas. e quem as escreve sabe que mesmo os bilhetes mais insignificantes serão lidos por alguém à procura de mistérios ou revelações. sigmund freud é uma dessas pessoas. as cartas aos filhos acabam de ser publicadas em castelhano, pela editora paidós (no original, unterdess halten wir zusammen). numa carta à filha matilde, como resposta aos seus planos de casamento com um austríaco que freud não conhecia, pede-lhe que não se precipite «porque o primeiro amor não é necessariamente o que perdura». também lhe conta que sabe, porque se informou, que «a mãe dele não tem uma doença mental incurável», mas que «o rapaz não lhe parece muito estável». seja como for, freud diz que aceita a decisão da filha e esclarece que não tem nada contra o namorado; só esperava que um aluno seu a quisesse levar como «lembrança». matilde casou com o seu primeiro amor e foram felizes para sempre.

vai, pistorius

como qualquer pessoa, achei admirável a força de oscar pistorius em participar nos jogos olímpicos com atletas sem deficiência física. até comecei a segui-lo no twitter, por curiosidade. poucos dias depois estava farta. o homem passava o tempo a agradecer e a retwittar os apoios (e foram muitos) de personalidades e gente famosa. era um chato de primeira. no entanto, depois de bolt, e apesar dos resultados, foi o atleta mais mimado dos jo. nos paralímpicos, o sul-africano perdeu a final dos 200m, que foi ganha pelo brasileiro alan oliveira. contam que pistorius teve mau perder e que acusou o vencedor de usar umas próteses mais longas. mais tarde pediu desculpa, mas insistiu que a questão das próteses ainda está por resolver. compreendo a sua fúria. como qualquer atleta de alta competição, não suporta perder. o pistorius das olimpíadas era um ursinho fofo e vaidoso. o pistorius dos paralímpicos é um lutador.

o amigo inglês

a rtp 2 transmitiu um excelente documentário em cinco episódios sobre e com os monty python. sabia das dissidências no grupo entre os terrys, gilliam e jones, e john cleese. não é invulgar quando um grupo de pessoas com talento se junta com um objectivo comum. à excepção dos rolling stones e dos xutos e pontapés, os grupos acabam separados e por vezes com ódio uns dos outros. o que me perturbou foi a falta de amizade entre eles. o caso exemplar é graham chapman. só durante as filmagens do santo graal, os restantes python perceberam que graham tinha problemas graves de alcoolismo. antes disso, também ficaram surpreendidos quando, anos depois de trabalharem juntos, graham assumiu a homossexualidade. por fim, quando morreu a seguir às filmagens de o sentido da vida, ninguém sabia o doente que estava. terry jones disse no final: «quando estávamos juntos, parecia que faltava alguém». ou faltava alguma coisa de cada um.

e é isto

gina rinehart será a mulher mais rica do mundo, mas é acima de tudo a ilustração mais perfeita de uma frase certeira de dorothy parker: «se queres saber o que deus pensa do dinheiro, olha para aqueles a quem ele o deu». a presidente da hancock prospecting, um negócio gazilionário de exploração de minas na austrália, avaliado em 30 mil milhões de dólares, veio dizer ao mundo que os pobres têm de trabalhar mais e divertir-se menos se querem ter o que ela tem, seus invejosos. então está bem. a austrália é um país que respeita o trabalho honesto, valoriza o mérito, condena a corrupção, tem uma política fiscal decente, por isso é possível enriquecer à custa do próprio suor e não pela exploração do próximo. então está bem. só estraga tudo o facto de gina rinehart ser a herdeira de um império construído pelo pai. ah, maldição! se ao menos tivesses suado as estopinhas um dia da tua vida, gina. agora que havia esperança na austrália.