As desculpas por Hillsborough que demoraram 23 anos a chegar

A espera prolongou-se por 23 anos até que a «dupla injustiça» fosse reconhecida. A descrição é de David Cameron, primeiro-ministro britânico que hoje endereçou as suas desculpas às famílias das 96 pessoas que morreram no ‘Desastre de Hillsborough’, o mais grave acidente na história do futebol inglês. Desculpas justificadas por o que um relatório entretanto…

«com o peso das novas provas, é correcto para mim, enquanto primeiro-ministro, pedir as devidas desculpas às famílias das 96 [vítimas]», começou por dizer cameron, ao discursar perante o parlamento britânico. «lamento profundamente que esta dupla injustiça tenha ficado por corrigir durante tanto tempo», acrescentou depois, citado pelo the guardian.

injustiças que, durante quase duas décadas, foram escondidas.

a 15 de abril de 1989, as equipas do liverpool e do nothingham forest viajaram até sheffield, cidade no norte de inglaterra, para disputarem a meia-final da taça de inglaterra. nem quinze minutos decorreram, e o encontro terminou com a derrocada de uma das bancadas do estádio, sobrelotada.

o rescaldo, em números, ficou-se pelas 96 mortes e 766 feridos. o que se viu, contudo, foram agentes da polícia a impedir que os adeptos do liverpool, que estavam na bancada, de fugirem de um espaço onde os corpos se espremiam uns contra os outros.

das 44 ambulâncias que acudiram às imediações do estádio, apenas um foi autorizada a entrar no recinto. apenas 14 das 96 vítimas chegaram nesse dia ao hospital, e mesmo essas tiveram que ser transportadas pelos próprios adeptos até à ambulância. o acidente, que ganhou apelido de desastre, foi o mais grave de sempre na história do futebol inglês.

o relatório manipulado
um ano depois foi publicado o taylor report, o relatório oficial do governo aos acontecimentos que resultaram na tragédia. nele se leu que as culpas a dirigirem-se aos adeptos do liverpool e aos seus alegados abusos no álcool e na violência.

durante anos os adeptos do clube protestaram e rejeitaram em absoluto o relatório. à época, o tablóide the sun fizera, com o título ‘a verdade’, a capa da sua edição que mostrou as conclusões do relatório.

e só em 2009, um outro, elaborado por um painel independente, refutou essas conclusões, alegando que o primeiro relatório foi «adulterado» pelo governo – então liderado por margaret tatcher -, para desviar as culpas para os adeptos do liverpool.

o daily telegraph resumiu o que o mais recente relatório desmentiu acerca do primeiro: a polícia pesquisou os registos criminais das vítimas para «impugnar a sua reputação»; que 116 dos 164 relatórios de agentes foram alterados para remover «comentários desfavoráveis» e que nunca houve provas de que os adeptos do liverpool estariam sob a influência de bebidas alcoólicas.

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em 1990, as culpas caíram principalmente em adeptos dos ‘reds’ que teriam forçado a entrada no estádio, sem bilhete, e que causaram a sobrelotação da bancada a destinada aos apoiantes do liverpool. foi o que aconteceu, mas a sua entrada deveu-se à abertura de um portão por parte de agentes da polícia.

até os relatórios dos serviços de emergência de ambulâncias terão sido modificados para evitar a atribuição de responsabilidade pelo acidente.

«não contribuíram nem causaram o acidente», reforçou o próprio david cameron, hoje instado pela responsabilidade, aquando do seu pedido de desculpas.

até margaret tatcher, a ‘dama de ferro’ que em novembro de 1990 abandonaria a liderança do executivo britânico, terá alegadamente revelado, na altura, a sua «preocupação pelas críticas devastadoras» que o primeiro relatório, ainda sem adulterações, colocava no desempenho da polícia.

diogo.pombo@sol.pt