A ira que os EUA atraíram com um filme

No dia em que os norte-americanos se uniram para relembrar o 11 de Setembro, o país foi rasgada por mais uma tragédia. O embaixador norte-americano na Líbia morria num ataque em Bengazi, cidade que, um ano antes, os EUA ajudaram a libertar na revolução contra Kadhafi. No Cairo e em Tunis, manifestantes voltaram a rodear…

e assim volta-se a agitar o maior problema dos eua na última década: a sua relação com o médio oriente. uma relação que começou com uma fúria bélica contra o afeganistão, após os ataques de 11 de setembro de 2011, na perseguição à mente que o orquestrou, osama bin-laden, que só o ano passada terminou nos confins do paquistão. pelo meio, os norte-americanos estiveram no iraque e viram o que se passou no egipto e na primavera árabe.

um simples resumo da fúria que alimentou os eua, mas que agora parece estar a germinar contra si.

na segunda-feira, 11 de setembro, um ataque ao consulado norte-americano em bengazi matou christopher stevens, embaixador do país na líbia, e mais três diplomatas. a autoria foi atribuída a milícias salafistas – movimento islâmico -, na região, rumores ainda colocaram o ataque como um acto de vingança da al-qaeda.

acima de tudo, foi um golpe de confiança aos eua, num país onde – em conjunto com a nato -, ajudara os rebeldes a depor muammar kadhafi, em outubro de 2011. no mesmo dia, e tal como a cnn destacou, centenas de pessoas, em protesto no cairo, rodearam a embaixada norte-americana e queimara a bandeira do país. no seu lugar, uma outra foi erguida, onde se lia: «não há nenhum deus além de alá, e maomé é o seu mensageiro».

hoje, quinta-feira, já se registaram 13 feridos devido aos confrontos entre manifestantes e autoridades, que guardam o complexo.

o motivo: a fúria contra a inocência dos muçulmanos, título do filme, realizado por um norte-americano, que ridiculariza o islão e a figura do profeta maomé, retratando-o como um abusador de mulheres e aprovador do abuso sexual de crianças.

vídeo: um excerto do filme que está a motivar a revolta muçulmana.

hoje, surgiu outro foco de protesto no iémen. em saná, capital do país, a embaixada dos eua foi rodeada por centenas de iemenitas, enquanto se ouviam gritos de «morte à américa», de acordo com relatos citados pela associated press.

nas mãos dos manifestantes erguia-se a mesma bandeira que se vira no cairo. vários veículos foram incendiados e as autoridades tiveram que recorre ao gás lacrimogéneo para dispersar a multidão. tudo no país onde reside o braço armado mais activo da al-qaeda, como lembrou o washington post.

a excepção líbia
na quarta-feira, o presidente dos eua reagiu ao ataque de bengazi, classificando-o como «chocante e ultrajante», num discurso em que prometeu que «será feita justiça» às vítimas norte-americanas.

da líbia, barack obama não demorou a obter uma resposta. mohamed magarief, líder da assembleia nacional líbia, lamentou o ataque e as suas consequências, oferecendo as «suas desculpas aos eua, ao povo árabe e até ao mundo inteiro, pelo que se passou».

obama dissera igualmente que o episódio «não vai quebrar a ligação entre os eua e a líbia», algo que megarief reiterou: «estamos do mesmo lado, numa frente unida contra estes assassinos marginais».

as dúvidas quanto ao egipto
esta coesão não se estende, porém, ao caso egípcio.

hoje, pelo terceiro dia consecutivo, a embaixada norte-americana no cairo, capital do país, voltou a ser cercada por manifestantes em protesto. e se os sinais de apoio dos responsáveis líbios foram prontos na sua reacção, mohamed morsi, presidente egípcio, demorou 24 horas a expressar-se. e a mensagem não foi a mesma.

citado pelo new york times, e embora lamentando os protestos junto à embaixada norte-americana, morsi sublinhou que «está garantida [a liberdade] de expressar opinião e protestar». o presidente disse que «é errado» atacar embaixadas, mas declarou que apoia os protestos pacíficos. por enquanto, ainda o são no cairo.

daí que, pela voz de barack obama, a diplomacia dos eua em relação ao egipto tenha dado um passo atrás – «acho que não os consideraríamos um aliada, mas também não os vemos como um inimigo», soltou, numa entrevista que ontem concedeu à telemundo, uma estação televisiva do país.

a postura de morsi poderá enfraquecer a corda que há décadas liga os eua ao egipto, e que parecia estar a fortalecer-se com o apoio que obama concedera ao presidente egípcio após a sua eleição, quando lutou com os militares do país pelo poder.

o líder norte-americano chegou mesmo a revelar que o país perdoaria a dívida do egipto, que rondará os 775 milhões de euros, numa altura em que a nação africana é o segundo maior beneficiário de ajuda financeira – atrás de israel -, vinda dos eua: cerca de 1,5 milhões de euros por ano.

mas há vários pontos que não ajudam ao bem-estar entre as duas nações, com destaque para a postura da irmandade muçulmana, grupo islâmico do qual morsi se afastou politicamente – pertencia ao seu braço político antes das eleições, o partido da justiça e liberdade – que tem apoiado e impulsionado o protesto junto à embaixada dos eua.

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