O silêncio de Nico

A entrevista foi marcada e adiada um sem número de vezes. Já o fecho da edição se aproximava de forma vertiginosa quando se chegou a bom porto. Poderia até parecer uma atitude de alguém que sabe que é uma das novas coqueluches da música, mas a verdade é que há meses que Nicolas Jaar não…

nesta odisseia incluíram-se já algumas passagens por portugal e esta noite regressa ao palco onde se estreou em território nacional: o lux. mas não vem sozinho. nicolas jaar é o curador de mais uma festa green ray e levou a função muito a sério. consigo estarão o mestre do jazz etíope, mulatu astatke, e a fadista do sr. vinho, gisela joão; e em formato dj set estarão panda bear (dos animal collective), dave harrington, acid pauli e os pachanga boys. uma espécie de resumo da forma como jaar vê a música – ele que explora todos os caminhos, do house ao jazz, do techno ao fado, e que admite estar fascinado por música de igreja. «gosto da ideia de que a noite vai progredindo rumo a uma festa, mas começa com contemplação e sentir e ouvir. é preciso ganhar o direito à festa!», disse ao sol.

deste melting pot musical, porém, há um nome particularmente especial. logo no cartão-de-visita que faz no seu próprio site, nicolas jaar diz que sempre se sentiu «assombrado» pelo talento de mulatu astatke, o mestre que se revelou à escala internacional com a banda sonora de flores partidas, de jim jarmusch. «ele foi a primeira pessoa que me fez pensar sobre dança e groove. nem consegui acreditar quando aceitou o convite. ainda me sinto estupefacto!».

com apenas 22 anos, nico – como carinhosamente lhe chamam os fãs – pertence a uma geração de jovens músicos, todos ingleses, como james blake, jamie woon, mount kimbie e pearson sound, que protagonizam uma espécie de «renascimento musical». mas jaar não gosta de rótulos nem convencionalismos. de tal forma que, apenas após muita insistência de jornalistas, acabou por inventar um termo para descrever a sua linguagem musical: «criei o termo bluewave como uma piada, porque a verdade é que acho que criar rótulos não faz nada pela música. tento afastar-me dessas conversas».

nasceu em nova iorque, mas logo se mudou para o chile, país do pai, o fotógrafo alfredo jaar. aos sete anos chegou mais uma mudança: o regresso a nova iorque. aí descobriu um mundo novo, não do punk ou do rock & roll, mas do hip hop – quem sabe se sugestionado pela primeira música do género que o pai lhe mostrou e pela qual foi obcecado durante anos: ‘gangsters paradise’, de coolio. «adorava biggie, tupac e dr. dre… para mim nova iorque foi sempre a cidade do hip hop».

apesar de o pai costumar dizer que ser artista o ajuda a entender o mundo, nicolas não sabe bem explicar quando despertou para a arte musical, ainda que frequentemente refira a importância do dj chileno ricardo villalobos. «provavelmente senti que algo estava dentro de mim e tinha de sair. ao ouvir música dos pink floyd, o próprio mulatu e muito fado… a ideia de que podemos fazer os outros sentirem algo através do som ainda é arrebatadora para mim».

em 2009 começou a dar nas vistas com uma série de singles e remisturas dançáveis. outras faixas menos conhecidas, porém, já davam sinais do que viria a ser o álbum de estreia space is only noise, um trabalho que oscila entre o digital e canções que respiram, nas quais os bpm (beats per minute) descem a níveis bem distantes da característica música de dança. mas jaar diz que sempre fez a música que faz hoje e até ironiza que nem sequer gosta muito de clubes de dança.

com o álbum passou das apresentações a solo para um formato de banda – com guitarrista, teclista, saxofonista e baterista – e em que o próprio jaar assume o piano, o computador e a voz; e os concertos nunca mais pararam. numa sequência natural, criou a editora clown and sunset, um eco de liberdade de alguém que «adoraria produzir outros músicos».

apesar da agenda fulgurante, nicolas jaar não deixa de ser o estudante que aproveita as pausas do ano escolar para ser músico e que leva livros para estudar durante as tournées. enquanto estuda absalom, absalom, de william faulkner, para a tese final no curso de literatura comparada na brown university de nova iorque, assume que sempre achou que estudar tornaria a sua música melhor. ainda assim, diz, 95% das vezes não se sente satisfeito com o que faz.

há nele qualquer coisa de frágil. há a ideia de um microcosmos ou universo paralelo, onde as sonoridades de igreja convivem com a batida electrónica, onde a suavidade se cruza com os ritmos sôfregos. o tempo e a música de nico são só dele. vivem das suas respirações, dos seus silêncios, até porque, para ele, «o silêncio é tão importante como a música, tal como a ausência é tão importante como o amor».

nicolas jaar parece sério demais para 22 anos. talvez tenha sido esta seriedade a valer-lhe o epíteto, dado pelo guardian, de «maravilhosamente pretensioso». começou por sentir as palavras como insultos. mas já não: «ainda acho triste, mas agora compreendo: por vezes cometo o erro de fazer grandes afirmações que, em retrospectiva, são naïf. por exemplo, podem pensar que sou pretensioso quando disse que ‘a ausência é tão importante como o amor’. mas prefiro dizer o que sinto do que dar respostas falsas».

raquel.carrilho@sol.pt