a 10 de junho de 2011 – quando josé sócrates já havia perdido as eleições para passos coelho – fez um inflamado discurso nas cerimónias do dia de portugal. já previa que a situação do país pudesse ser assim tão grave?
há quatro ou cinco anos que dizia que as coisas iam correr mal. mas não previ tudo. estava à espera de muito má situação financeira, económica e política, desde a taxa de desemprego, às falências de empresas. mas o que não esperava era que, em conjunto, o governo e a troika, errassem tanto nas suas previsões. eles têm mais informação do que eu, têm de prever melhor. mas há uma coisa que me surpreende: quando dizem que ao fim de um ano de tratado de assistência já está provado que não deu resultado. as pessoas que dizem isso estão a partir do princípio que num ano haveria crescimento e progresso. como é evidente, o programa destina-se a fazer com que isso aconteça em três anos, destina-se a criar um clima de austeridade, contenção e poupança para poder pagar algumas dívidas, criar confiança para o exterior e poder voltar aos mercados financeiros. dizer, como o ps, o be e o pc, que está tudo errado não faz sentido.
não haveria outra solução que não a ajuda da troika?
creio que não. ainda hoje estou à espera que me digam qual é. houve quem sugerisse que portugal fizesse um novo fundo monetário internacional com a argélia, o brasil, a venezuela… houve tantos disparates ditos nos últimos anos. mas não estou a ver qual seria a outra solução. não pagar a dívida? entrar em bancarrota? as pessoas que dizem isso são muitas vezes de esquerda e teoricamente estão a pensar nos trabalhadores, mas não pagar é muito pior. se o país ? entrar em bancarrota, os ricos safam-se. não se safa é a classe trabalhadora e desfavorecida. não pagar ou pagar mais tarde é das coisas mais absurdas que têm sido ditas. renegociar a dívida significaria mais anos de austeridade. muita gente utiliza termos só porque sabem que as pessoas não entendem. é pura demagogia.
não seria possível aliviar um pouco a carga exigida aos portugueses?
quando estabelecemos um programa de três anos, e ao fim de 15 minutos aparecem pessoas a dizer que é preciso renegociar o prazo e diminuir a carga, passa-se um sinal à população de que nada é para cumprir. infelizmente foi isto que o ps disse. isto é oposição demagógica de quem está no parlamento sem responsabilidades e diz o que lhe apetece. estou convencido que, quando terminar o prazo, vamos precisar de mais um pacote de assistência, mas isso só se discute no fim. não acredito que em 2013 já se começará a ver uma recuperação.
aquilo que tem sido exigido aos portugueses tem um grande peso. no entanto, assiste-se a uma certa apatia. já aceitamos tudo?
não concordo. os cidadãos perceberam que estávamos endividados e dependentes dos nossos credores, dos estrangeiros, que tínhamos vivido com complacência a mais durante 10 ou 20 anos, e que não nos importámos com o endividamento das famílias, das empresas ou do estado. acho que os portugueses perceberam que tínhamos todos errado. não foram só os bancos os culpados. a responsabilidade também é de cada um que tomou as suas decisões, dos governos e dos partidos políticos que perceberam que havia o mundo dos dinheiros europeus e que esse mundo ajudava a fazer obra e a ganhar eleições e ficar no poder.
habituámo-nos a viver ‘à grande’?
não digo bem à grande, isso é excessivo. o primeiro-ministro falava do ‘regabofe’ e ‘à grande e à francesa’, mas também não foi assim. portugal não é um país rico onde ainda há pobres; portugal é um país pobre com alguns ricos. se compararmos portugal com a suíça, a holanda ou a bélgica percebe-se isto. mas tivemos 30 ou 40 anos em que houve um sistemático acréscimo do poder de compra e do nível de vida, e alguma euforia. houve distribuição de rendimentos, melhoramento das desigualdades sociais e das condições de vida de cada um.
o que correu mal?
percebeu-se que não tínhamos infra-estrutura industrial capaz de aguentar as crises e a globalização, que não tínhamos competitividade e produtividade para compensar a concorrência dos países que pagam salários baixíssimos como os asiáticos, que não tínhamos estrutura tecnológica e científica capaz de aguentar as reconversões industriais a fazer. e começámos a verificar que as vantagens e os melhoramentos tinham sido superficiais – a grande parte foram nas estradas.
aponta-se o dedo apenas ao governo de josé sócrates…
todos os governos, desde a maioria de cavaco silva, têm a sua responsabilidade. vale a pena estudar para ver quais as responsabilidades de cada mandato. estou convencido que os governos sócrates foram os piores de todos. tanto guterres como cavaco tomaram medidas que ajudaram a hipotecar o país. mas houve outros protagonistas. cada um terá a sua responsabilidade.
há que tirar consequências?
sim, nomeadamente nas eleições. se os partidos forem honestos em relação a quem fez o quê, há certas pessoas que poderão não mais voltar à política e partidos que terão dificuldade em voltar a ganhar eleições.
e prisão?
o erro não se paga com prisão, paga-se politicamente. se fazem um cálculo do crescimento da economia e cometem um erro de previsão, isso não é crime.
mas a corrupção é.
sim e devia pagar-se com prisão. mas cá em portugal parece difícil.
a procuradora-geral adjunta, cândida almeida, disse que não há corrupção em portugal e que os políticos não são corruptos.
não partilho a opinião dela. portugal não é um país corrupto, mas há corruptos. há políticos e governantes corruptos, há empresários corruptos.
o que pensa o português que está em casa e vê uma figura do estado dizer que não há corrupção e, logo de seguida, ouve, por exemplo, falar dos submarinos?
pensa muito mal. e eu também. no caso dos submarinos não sei se houve corrupção. mas o que é mais confrangedor e preocupante neste caso – e noutros como o freeport – é que as coisas nunca chegam ao fim, ficam anos a refogar em lume brando. se não há caso tem de ser encerrado. alguém tem de assumir essa responsabilidade de encerrar o caso e declarar que determinado fulano é inocente. senão ficamos no pior dos mundos. sei de políticos que nunca foram corruptos, mas vivem com esse peso. e há os que são culpados e nunca serão condenados.
precisávamos de um presidente da república mais activo do que temos?
já disse tantas vezes que sim, que o presidente devia ser mais interventor. mas o actual presidente não é desse género nem quer fazer isso. o que me parece é que, na próxima revisão constitucional, valia a pena reavaliar o sistema político português. é um semipresidencialismo só de nome, porque depois o presidente não tem capacidade de intervir. só pode dizer coisas. e nos últimos anos o presidente tem dito mais vezes que não pode dizer, do que tem dito coisas substantivas. todos os dias cavaco silva, que até fala de si na terceira pessoa, diz que ‘não convém que o presidente fale sobre isso’, que ‘o presidente não pode comentar aquilo’. não se pode ser presidente da república 10 anos assim. é tão apagado que não reforça a democracia.
como analisa a liderança de passos coelho?
não o conheço bem. achei-o sempre afável, mesmo quando se dizia algo menos agradável não ficava crispado, como outras pessoas que conheço… mas imagino que não estivesse suficientemente preparado para assumir as funções que está a exercer. está a aprender na ferrugem, no terreno. acho que tem melhorado e que faz bem em ser teimoso nos acordos internacionais. mas é estranho que um homem tão afável não tenha capacidade para bem informar a população do que se está a passar. é preciso explicar melhor. há falta de preparação, como no caso em que disse que os portugueses deviam ir para fora. isto até pode ser dito por toda a gente, menos pelo primeiro-ministro porque parece revelar que o senhor se está nas tintas. também acho que o excesso de protagonismo do ministro da presidência é errado, como no caso da rtp.
concorda com a concessão da rtp a privados?
não. é muito negativo o que está a acontecer com a rtp. para mim o essencial é que ainda hoje sonho com um país que tem um canal público de televisão e que esse canal promove a qualidade e a inteligência, elevando o nível cultural do povo. sonho com esse país e não abdico. há muitos países em que um canal público tem essa função. não tem a função de passar futebol, concursos idiotas, festivais populistas, mas sim de ter bom cinema, documentários, história, teatro, música – e não é só clássica… podem dizer que a rtp não é nada disto. pois não. mas essa é outra discussão. o canal público serve para melhorar a cultura do povo. claro que isto custa caro, mas é por isso que as pessoas pagam.