josé mourinho montou a equipa para a luta. o real deu a cara
com um trivote, o apelido que os
espanhóis arranjaram para o hábito do português cortar a equipa ao meio com
três médios mais defensivos, de trabalho, operários, sem os rasgos de magia que
fazem os adeptos ansiar.
essa responsabilidade ficava nos extremos. à esquerda, um
cristiano ronaldo triste mas esforçado, e do outro lado um frenético di maria.
eram eles que tinham de provocar os desequilíbrios nos adversário, era dos
seus pés que a inspiração de uma equipa se tinha que mostrar.
o meio campo musculado assim o obrigava. a prioridade dada
ao trabalho de essien e khedira só era rasgada pela geometria dos passes
precisos de xabi alonso.
e foi isso que se viu. na primeira parte, constantemente, a
bola estava nos flancos, era por lá que se tentava furar a defesa do city. a
bola mal passava pelo meio, e mesmo que lá caísse, era só para um dos
trabalhadores do meio a enviar, com passes longos e pelo ar, para um dos
flancos. até marcelo foi mais extremo que o costume, e até arbeloa, o defesa que só costuma defender, se via
sempre no ataque.
do banco, dois pares de olhos seguiam a acção do relvado. olhos
dos dois médios de arte, dos artistas que mourinho guardara no banco: mezut özil e luka
modric, o turco e croata cujo melhor músculo está no cérebro que puxa pela
criatividade e invenções que saem dos seus pés. a arte ficava para depois, para
quando os ‘merengues’ quisessem manter a bola no chão, no relvado, e fazê-la circular rápido.
o city defendia como queria. e com o seu próprio músculo:
cinco médios à frente da defesa, com duas torres – yaya touré e javi garcia – a
erguerem-se, deixando à sua volta nasri, barry e silva como os três caçadores de
bolas. na frente ficava o avançado carlos tévez, solitário na sua luta. atrás, os anos de
maicon notaram-se frente a ronaldo, mas do outro lado clichy cumpria a sua
missão, e obrigava muitas vezes di maria a vir procurar espaços no meio.
o treinador mancini confiara as saídas para o ataque à força de touré com bola, à
agressividade com que a conduz e a transporta para a frente.
e foi assim, já na
segunda parte, que o city chegou ao golo: o costa-marfinense a empurrar uma
bola que o próprio recuperou, entregando-a depois a dzeko, avançado bósnio que
acabara de entrar em campo para inaugurar o marcador.
minutos antes entrara também özil. mourinho queria
pinceladas de cor para acordar um jogo que se retratava negro. dez minutos
depois, o real mantinha a bola no relvado, ia trocando passes, encostando os
ingleses à sua área. até que chegou a marcelo, em zonas já de ronaldo. o
brasileiro corta para dentro e remata, com a direita. empate.
um livre de kolarov, já nos últimos cinco minutos, traía
casillas. benzema dava depois novo empate. a fórmula foi a mesma, mas executada
no meio: ingleses empurrados para trás, o francês recebe a bola de costas, roda
para um lado e remata. a espontaneidade dava novo empate.
até que, a um minuto do fim, chega o golo da vitória.
ronaldo recebe bem esticado à esquerda do ataque, encara o defesa, agora o
argentino zabaleta, mais fresco, mas nem ele capaz de deter a finta do
português para dentro, à procura do disparo de direita. o tiro saiu em direcção
a joe hart, mas o guarda-redes ajudou, e o real acabava com o jogo. confirmava-se a ‘remontada’, a expressão espanhola para reviravolta nos marcadores.
ronaldo deslizava, parava em joelhos, e festejava perante os adeptos, na mesma postura com
que mourinho celebrava efusivamente, num festejo que unira um estádio inteiro.
«podíamos perder, mas lutámos como animais» disse, no final,
o técnico português. terá depois pensado que recuperou uma equipa que tanto criticara
após as duas derrotas que já soma para o campeonato.
terá razões para pensar assim. ontem viu-se garra e vontade, o trabalho do músculo
ao meio, que bateu na pedra inglesa até deixar buracos para os criativos depois
explorarem – modric também entraria na partida. o passo está dado: o real
madrid pode começar de novo a época.