têm, na verdade, todos eles, uma visão doméstica da política. no caso da coligação, a análise não só é doméstica como é conjugal. até o vice-presidente do cds-pp, desajustado no papel de comentador, falou em «falta de química». ah, que bonito. de repente, a coligação ficou reduzida a um casal com problemas que precisam de ser «resolvidos em privado», enquanto os 500 mil ‘filhos’ se manifestam na rua contra decisões que não aceitam. mas uma coligação não é um casal, nem o país uma família, nem o estado se gere como uma casa. temos um governo democraticamente eleito, com divergências salutares num momento difícil para o país. o conflito, a discordância, a diferença só são problemas para os que estão mais preocupados com a exposição da sua fragilidade do que com o interesse nacional.
no tabuleiro
manuela ferreira leite, uma pessoa que muitas vezes aqui defendi e que gostava de ter visto ganhar as eleições em 2009, deixou-se invadir por sentimentos menos nobres, embora sem dúvida humanos, quando deu a entrevista em que apelou à insurreição da bancada na hora de votar no orçamento de estado. a sua jogada política parecia correr mais ou menos bem, ao unir de vez a esquerda e legitimando à direita o sentimento de descrédito face às novas medidas apresentadas. mas ao mesmo tempo que apelava à revolta no parlamento, aparentemente falando em nome de cavaco, ferreira leite abria espaço ao cds-pp e a paulo portas, que subestimou. portas fez um discurso notável, de apelo ao bom senso num momento extremamente delicado para o país e para o governo. ao contrário de todos, portas ouviu o partido, pensou e só depois falou. é olhando para toda a sua conduta que vemos com clareza a irresponsabilidade dos que falaram antes.
praça pública
a actividade de aprender com os outros é bastante misteriosa, sobretudo quando não envolve nem escola nem estudos nem matérias específicas. o que aprendemos, em que momento e com quem, parecem ser perguntas de resposta difícil. mas às vezes é possível. há dias, vítor gaspar foi ao parlamento falar sobre as novas medidas de austeridade. nada da discussão técnica me interessou mais do que seria saudável, mas a atitude do ministro das finanças na discussão iluminou um certo entendimento que tenho sobre o modo como devemos lidar com os outros, sobretudo em conversas hostis com estranhos. gaspar foi cordial com os deputados que expuseram as suas objecções com bons modos. os que adoptaram o estilo mercado do bolhão foram tratados com indiferença e sarcasmo, que são as armas das pessoas civilizadas quando são confrontadas com a injustificada má criação. a lição é simples: trata os outros como te tratam a ti e fá-lo sem demoras.
agora com maminhas
é estranha e feia esta obsessão de espreitar o próximo quando está descansado a apanhar sol. foi o que aconteceu ao duque e à duquesa de cambridge que viram imagens das suas férias numa revista francesa. o apelo era o topless da princesa, registado sem a sua autorização com uma teleobjectiva gulosa e invasora. kate e william mostraram a sua revolta por terem a sua privacidade exposta e fizeram anunciar que tencionam processar a publicação. espero que ganhem todos os processos e mais algum. há uma diferença importante a preservar no mundo civilizado. não é por uma pessoa ser pública que passa a pertencer ao mundo. não é propriedade nem objecto. pode ser muito célebre, amada ou detestada, mas não deixa de ser uma pessoa com todo o direito a ser deixada em paz quando se isola. é fácil perceber o que estou a defender: kate middleton não estava na praia da manta rota nem na costa da caparica. é tão simples quanto isto.
abracinho
houve um pequeno incidente durante a manifestação de protesto no sábado passado. uma rapariga, chamada adriana xavier, abraçou um polícia quando os manifestantes passavam à frente dos escritórios do fmi. a rapariga é gira. o polícia também é giro. a imagem faz lembrar o anúncio em que uma série de raparigas giras se juntam a uma certa hora para ver um rapaz de tronco nu a lavar as janelas de um escritório. as fotografias também são giras. até ao pormenor realista contado no público de que adriana xavier não concluiu o 12.º ano por causa da disciplina de geometria descritiva, estava preparada para questionar a espontaneidade do episódio. mas apetece acreditar que foi um acto sincero de paz e amor. sempre foi melhor o abraço da adriana do que as pedras atiradas na escadaria da assembleia da república por miúdas armadas em hezbollah. só espero que nem a rapariga nem o distinto membro das forças da intervenção apareçam num reality show.