Camilo Lourenço: ‘Se houver eleições emigro’

Trabalhou no campo e nas obras, e diz que isso o levou a ter «muito cuidado com a despesa». Ouvido na rádio por taxistas e empresários, aconselha-os a poupar. Aos políticos lembra que «estão ali para servir» os portugueses.

é daqueles portugueses que quando passa pelo ministério das finanças tem cuidado com a carteira?

isso foi uma sugestão que uma senhora me fez quando eu lhe disse que ia ao ministério das finanças para a conferência de imprensa de vítor gaspar [terça-feira da semana passada]: ela disse-me para esconder a carteira. agora, isso depende muito dos ministros; acho que há ministros que têm mais tendência para ir aos bolsos dos portugueses do que outros e julgo que, passada esta fase de aperto, se há alguma coisa em que acredito é que vítor gaspar será dos ministros que menos irá ao nosso bolso. mas, para isso, terá de cortar na despesa.

ainda assim, nessa conferência de imprensa, pediu ao ministro das finanças para comentar a necessidade que algumas pessoas teriam de acautelar a carteira perto dele.

nós, jornalistas, somos intérpretes do sentimento das pessoas e o que sabemos é que as pessoas estão afixadas por causa do excessivo peso do estado. naquele momento, achei que deveria ser o intérprete do que aquela senhora que me encontrou na rua pensava, e que é: ‘só nos vão ao bolso’.

mas não despiu o fato de jornalista para se assumir mais como um provocador?

não. a função dos jornalistas e dos analistas é questionar o poder sobre o que os políticos estão a fazer com o nosso dinheiro e essa atitude deve estar sempre presente. os políticos estão ali para nos servir e nós não temos de ser condescendentes com eles – temos de os criticar com veemência porque foram eleitos para tomar as melhores decisões.

quando é abordado na rua, o que é que as pessoas lhe dizem mais?

nunca tive tanto feedback sobre a situação económica do país como agora e a maior parte das pessoas diz que tenho razão nas análises que faço. mas é claro que há pessoas que discordam e ficam incomodadas, sobretudo as mais ideologicamente colocadas. mas, em geral, nos e-mails, no facebook e na rua, as pessoas dão os parabéns pela atitude que eu e outros jornalistas, como o josé gomes ferreira, temos.

é uma pessoa poupada?

meço aquilo que gasto todos os dias e faço a relação entre o gasto e o benefício.

usufrui das promoções das grandes superfícies, por exemplo?

faço isso regularmente. sou eu que faço as compras em minha casa e ensino os meus filhos [de dois e oito anos] a serem poupados e a terem cuidado com as suas opções. quando eles começam a pedir muitas coisas, digo-lhes que terão de escolher uma. e há um dia em que digo: ‘hoje não levas nada, porque nenhum dos teus pedidos corresponde a algo que te faça falta’. faz a diferença se ajudarmos as crianças a moldar a consciência.

pelo que diz, não deve fazer gastos supérfluos.

todos temos as nossas fraquezas. mas procuro ter muito cuidado com a despesa. eu vim de baixo, não sou de famílias ricas. já trabalhei no campo, já trabalhei nas obras, já trabalhei nas estradas. tudo isto moldou a minha consciência.

faz comentário na rtp informação, na tvi, no programa você na tv!, e na m80. tem em atenção os públicos-alvo diferentes?

falo do mesmo assunto, mas de formas diferentes. e há questões que não abordo no você na tv!, um programa de entretenimento, mas que refiro na rtp, onde sou comentador de informação.

como é que a m80, uma rádio de música, tem um programa de comentário económico todos os dias?

temos tido surpresas grandes: há muitas pessoas que ouvem aquilo, que vão desde taxistas a ministros ou empresários, como américo amorim.

estuda muito para fazer análise económica?

claro. e leio, além dos jornais portugueses todos, o wall street journal, o financial times, o new york times e a economist.

tem tempo para tudo?

durmo pouco. e ainda consigo ir buscar os meus filhos à escola.

as pessoas falam agora dos analistas económicos como nunca.

o que é bom. as pessoas têm a necessidade de perceber como funciona a economia e, ao contrário do que fazem crer alguns economistas, é muito simples: são contas de somar e de diminuir.

e é por os analistas simplificarem as contas que os portugueses passaram a ouvi-los?

depende. há analistas de quem as pessoas gostam muito porque criticam de forma assertiva. e há analistas que fazem isso e ainda tornam as coisas entendíveis.

é o seu caso?

é o que dizem que eu faço. a minha preocupação como analista é fazer com que as pessoas perguntem aos políticos: ‘tem como pagar? então, se não tem, não faça’.

se o governo caísse e houvesse eleições, iria votar ou abstinha-se?

se tivermos eleições antes do prazo, agora, a minha vontade será emigrar. seria uma brincadeira de garotos. se nós tivermos eleições antecipadas, vamos precisar, seguramente, de um segundo pacote de ajuda externa e é bom que as pessoas olhem para a grécia como antecipação do que pode acontecer a portugal.

o que aconselha os privados a fazerem com o seu subsídio de natal?

a poupar. é a poupança que financia o crescimento.

francisca.seabra@sol.pt