90% dos cortes na despesa são cortes de salários

Despesas de funcionamento do Estado subiram 1,2 mil milhões de euros até Agosto face a 2011. Corte nas ‘gorduras’ permanece adiado e poupanças resumem-se a corte de salários.

o governo continua a não conseguir travar a subida da despesa do estado e as reduções que tem conseguido fazer nos gastos são quase, exclusivamente, à custa dos salários e subsídios dos funcionários públicos, revelam dados da direcção-geral do orçamento (dgo).

o primeiro-ministro, pedro passos coelho, tem tentado centrar a razão da má execução orçamental este ano no desvio das receitas dos impostos e no aumento dos encargos com os juros da dívida. mas essa é apenas parte da história. o não cumprimento das metas do défice orçamental e o recurso a novas receitas extraordinárias estão ainda a derivar da incapacidade do executivo em cortar gastos correntes do estado.

a execução orçamental de setembro, publicada esta semana, mostra que a despesa corrente do sub-sector estado (administração central sem a segurança social e serviços e fundos autónomos) subiu 2,6% entre janeiro e agosto face ao período homólogo, tendo o estado gasto mais 739 milhões de euros que um ano antes.

juros não explicam tudo

o executivo coloca a tónica na subida dos encargo com juros da dívida (aumento de 18%) para justificar a derrapagem do lado da despesa. porém, a realidade mostra que o grande desvio continua a ser no aumento dos pagamentos que o estado faz para o funcionamento dos seus organismos e entidades centrais e locais.

as transferências correntes, rubrica que representa mais de metade de toda a despesa do estado e que inclui parte das famosas ‘gorduras’, subiram 7,2% e custaram 1,2 mil milhões de euros mais que um ano antes. custaram também o dobro da subida do encargo com juros (655 milhões).

os dados da dgo mostram ainda que a quase totalidade da despesa que o governo conseguiu cortar este ano é feita à custa dos salários dos seus funcionários. medidas como a retirada do subsídio de férias este ano fez com que os gastos com pessoal do estado recuasse 15,6% até agosto face a um ano antes, resultando numa poupança de mil milhões de euros. as restantes reduções de despesa ( ver quadro) foram insignificantes: a aquisição de bens e serviços recuou apenas 76 milhões de euros. contas feitas, 90% dos cortes de despesas de funcionamento do estado tem sido até agora assente na redução de salários e subsídios e esta ‘poupança’ acabou, totalmente, anulada pelos encargos com juros, mas sobretudo por um crescente custo para manter a máquina do estado a funcionar.

sócrates 7 – gaspar 3

«o combate às gorduras do estado tem rendido ganhos apenas simbólicos e têm sido os trabalhadores, nos sectores público e privado, a suportar o grosso deste ajustamento», analisa sérgio vasques. o ex-secretário de estado dos assuntos fiscai acrescenta que «o governo tem sido vítima de si próprio: pelo irrealismo do que assumiu quanto à despesa e pela insensatez da política fiscal que tem seguido. o ir ‘além do memorando’ fez a execução orçamental quebrar em 2012 e o ano de 2013 não promete melhores resultados».

nos primeiros oito meses deste ano, o governo apenas conseguiu reduzir a despesa corrente do estado em três deles. esta performance contrasta com a conseguida no mesmo período em 2011 pelos executivos do josé sócrates, do governo de gestão e os primeiros dois meses de pedro passos coelho, quando a despesa corrente caiu em sete dos oito meses entre janeiro e agosto de 2011.

a execução orçamental de agosto voltou a confirmar que as contas do estado continuam a derrapar, tanto do lado da despesa como da receita. a aceleração na queda das receita do iva – descida de 2,2% até agosto – e a subida em 20% das despesas com o subsídio de desemprego – estão a aprofundar o buraco orçamental que o governo terá de compensar este ano, mesmo com a nova meta do défice elevada de 4,5% para 5% – acordada com a troika na última revisão do memorando. o desvio ainda não foi revelado pelo governo, mas o défice real estará entre 6,6% e 6,1%, o que obriga o executivo a recorrer a medidas que compensem agora os cerca de dois milhões de euros que faltam para alcançar o défice de 5%.

«o que é trágico, passado um ano, é que estejamos a sofrer o maior choque fiscal da nossa história moderna ao mesmo tempo que desperdiçamos uma oportunidade irrepetível de reformar o nosso estado e a economia», remata sérgio vasques.

luis.goncalves@sol.pt