faço a pé o paris chique do 16.ème, da victor hugo até à étoile, os champs élysées a descer, o georges v, a avenue montaigne. à tarde, volto ao paris que tem a ver com a minha juventude, que começa onde o boulevard saint-germain cruza a rue de rennes, no café de flore e na brasserie lipp, e livraria la hume, que mudou de lugar de maio para agora.
este paris tem a ver duplamente connosco: era o lugar mítico donde primeiro vinham (como para o eça) as ideias e os livros – mais os filmes e as músicas. tudo em catadupa – o sartre e o maurras, o gide e o drieu la rochelle, a brigitte bardot e o jean gabin, o godard e o clouzot. mas depois foi o lugar dos nossos escritores, os do ‘romantismo fascista’ e os da droîte buissonière, também chamados hussards, a partir de um romance le hussard bleu de roger nimier.
nimier morreu precisamente há cinquenta anos, na noite de 28 para 29 de setembro, ao volante de um aston-martin, ao lado de uma mulher bonita. não se suicidou como drieu, nem acabou de velho como o seu amigo paul morand. morreu na estrada, como camus dois anos antes, ou james dean em 1955. seis dias antes já morrera assim outro dos nossos inspiradores – jean rené huguenin, o autor de um romance único, la côte sauvage.
nimier nascera em 1925, em paris. boa burguesia, pai normando, mãe da piccardie. não tinha idade para ter tomado posições na guerra e na ocupação, mas alistou-se no deuxième hussard, a seguir à libertação e entrou em combate. licenciou-se em filosofia, começou a escrever, passou por editoras e revistas. e começou uma carreira relâmpago de romancista e guionista e enfant terrible. li entre os quinze e os vinte anos os seus romances – les épées, les enfants tristes, l’hussard bleu, histoire d’un amour.
na altura, estava a sair de uma adolescência tímida de grandes leituras e paixões silenciosas para uma adolescência activista – onde continuaram as leituras e as paixões, mas já não a timidez. os heróis de nimier eram insolentes, apaixonados, secretos e ajudaram-me, por sugestão e imitação, a desenhar um imaginário que foi servindo, também, para modelar a realidade. era uma direita literária e política não conformista, insolente, que quebrava os tabus da cultura instalada na rive gauche, entre o papado de sartre e os dogmas da superioridade ética e estética das esquerdas. devo-lhe alguma coisa do que sou e, depois de o recordar em paris, apeteceu-me lembrá-lo aqui como isso – um amigo e companheiro desconhecido e desaparecido há cinquenta anos. mas importante.