José Carlos Castro: ‘Ainda fico com stresse’

José Carlos Castro tem dificuldade em encontrar jovens pivôs, porque não têm a qualidade dos mais velhos. No seu caso, as vantagens são ter boa voz e ser calmo, mas ainda sente a pulsação aumentar em noites de eleições. Responsável pela CM TV, diz que o ‘cabo’ vai «matar» a televisão tradicional.

a sua saída da tvi para a cm tv teve a ver com alguma insatisfação em relação ao trabalho?

a questão da satisfação é relativa. eu estou sempre insatisfeito, porque quero sempre fazer mais e melhor.

mas o facto de ter deixado de apresentar o principal noticiário da estação influenciou esse sentimento de insatisfação?

não. na rtp e na tvi, já fiz os horários todos e até já fiz as madrugadas; não era agora que isso ia fazer-me impressão. movo-me por objectivos e o meu objectivo foi fazer o jornal da uma chegar a primeiro. e isso aconteceu.

deixou o canal líder na informação para integrar um canal por subscrição, que só estará disponível numa das operadoras. isso não cria alguma ansiedade?

nenhuma. não se pode ter os mesmos objectivos em termos de audiência, mas há objectivos em termos percentuais, e é esse o nosso caminho. se apenas pensássemos em audiências, nunca teríamos criado a tvi24.

mas há uma diferença entre um canal de informação que tem por trás uma casa-mãe e um canal de ‘cabo’, que não tem o apoio de uma estação. ou basta a cm tv estar associada ao líder correio da manhã?

é uma vantagem muito grande, porque o correio da manhã pode criar sinergias com outras publicações do grupo [cofina] e com o canal de televisão. por exemplo, as televisões têm dificuldade em dar notícias em primeira mão e, normalmente, esse trabalho é feito pela imprensa. neste caso, trabalharmos em conjunto pode ser decisivo. por outro lado, permite-nos ter liberdade de programação: não faz sentido um canal de informação investir no horário nobre, quando a major já tem noticiários no ar. para a cm tv isso não é um problema.

acredita que os espectadores vão largar as generalistas para ver a cm tv, às 20h?

acredito que sim. vamos ser muito competitivos.

competitivos, porque vão ter as imagens das notícias dadas pelo jornal?

em termos editoriais, não vamos ser um decalque do correio da manhã, mas teremos alguns dos seus conteúdos. vamos fazer informação com qualidade.

este é um caminho para um novo modelo de televisão?

ninguém sabe como vai ser o futuro, mas acredito que este seja o fim das generalistas como as conhecemos. a concorrência do ‘cabo’, mais barato, mais segmentado e que já ganha o dia muitas vezes, vai matar o actual conceito de tv. e quem estiver mais bem preparado para esta mudança, terá mais hipóteses de ganhar.

foi formador de pivôs durante anos. com quem aprendeu a técnica de apresentação de noticiários?

o meu percurso profissional é o de uma geração que começou na rádio, quando surgiu a tsf e a rádio nova, onde trabalhei com o josé alberto carvalho, no porto. criou-se ali um novo estilo jornalístico e, quando chegámos à televisão, trazíamos a vantagem de ter estado na rádio.

o que distinguia esse novo estilo de fazer rádio?

era a primeira vez que os jornalistas faziam várias tarefas: procurávamos notícias, fazíamos noticiários e reportagens, tratávamos do desporto ou da política, e executávamos tudo com velocidade. quando passámos para a rtp, não tivemos muita dificuldade em adaptarmo-nos, apesar de não dominarmos a imagem. e essa geração ainda se mantém no ar, com muitos jornalistas vindos do porto.

é uma coincidência alguns jornalistas terem começado na redacção do porto, da rtp, e estarem agora em lugares de destaque?

quando o zé alberto [carvalho], o júlio magalhães e eu fomos para a rtp porto, permitiram que começássemos logo a trabalhar. foi uma sorte! mas é uma coincidência estarmos num grupo com talento, quando a rtp decide apostar em jovens. se calhar, se não o tivesse feito, estaríamos hoje a fazer rádio.

o seu talento deve-se a quê?

tenho características boas para um pivô: sou uma pessoa calma, com boa voz. o resto aprende-se; à medida que o tempo passa, vemos como o nosso trabalho funciona melhor. daí haver coisas que não consigo ensinar quando dou formação – ser-se natural nasce com as pessoas, não se ensina.

qual o maior erro em que caem os pivôs?

não direi erro, mas ficam muito nervosos. fazer um telejornal é uma situação de stresse, em que a pulsação aumenta, as mãos começam a transpirar… ainda hoje, em emissões especiais, como noites de eleições, isso acontece-me. no caso dos mais jovens, não conseguem controlar a pressão, deixam de respirar, começam a atropelar as palavras e nem pestanejam.

a geração de que falava há pouco não tem dificuldade em dar lugar aos mais novos? são os mesmos rostos há 20 anos…

acho é que os mais novos não têm a qualidade dos mais velhos. mas há pessoas com esse potencial, que só não têm a perseverança de ficar até chegarem a um determinado estatuto – desiludem-se rapidamente e saem. e falo de algumas pessoas com muito potencial mesmo, como a ana sofia vinhas.

isso não complica a tarefa de encontrar rostos para a cm tv?

espero arranjar bons pivôs… agora, talvez não encontre uma clara de sousa, com aquela colocação de voz, aquela intensidade. então quando falamos de homens, é pior: é procurar agulhas num palheiro.

os homens fazem falta no ar?

há estudos que mostram que as vozes graves são mais agradáveis ao ouvido. talvez por isso a informação em televisão seja maioritariamente masculina.

apresentar o noticiário da tvi quando entra no ar a imagem de josé sócrates a testar as câmaras, antes do anúncio do pedido de resgate, foi das situações mais caricatas?

agora acho graça, mas no momento fiquei constrangido. pareceu uma maldade que estávamos a fazer ao antigo primeiro-ministro… na verdade, o caos estava instalado na régie, com todos aos gritos e ninguém se apercebeu de que sócrates ainda não ia falar. em tv há muitas situações assim…

o que é que já lhe aconteceu?

tanta coisa… já desmaiou um convidado ao meu lado.

francisca.seabra@sol.pt