Este radialista, de 77 anos, guarda memória detalhada dos
primeiros minutos do projecto que nasceu «em volta da mesa de casa de jantar»
do seu apartamento em Paris e que é hoje conhecido por quase dois milhões de
pessoas na capital francesa.
«Eu estava convencido de que não estava ninguém a ouvir, de
maneiras que disse: ‘Se calhar estou aqui a falar para o boneco, se alguém
estiver à escuta, por favor telefone. E dei o número. O telefone toca, e eu
fiquei contentíssimo’», recorda.
Ouviu-se em antena Amália Rodrigues a cantar “Inch’Allah”, de
Salvatore Adamo. A fadista portuguesa havia de sentar-se oito vezes nos
estúdios da rádio portuguesa de Paris como convidada do «Bica e copo d’água», o
programa de entrevistas – «conversas» – que Rogério do Carmo manteve em antena
durante anos.
Artur Silva, outro dos fundadores do projecto, durante décadas
chefe da redacção de informação da Alfa e agora coordenador dos três
jornalistas que aí trabalham, conta que quem se sentou em torno da mesa de
Rogério do Carmo para pensar neste projecto estava «farto» do que se fazia ao
microfone para os portugueses de França.
«O que existia era uma espécie de cantinho da saudade. Não tinham
em conta nem a evolução da comunidade portuguesa, nem os jovens de origem
portuguesa. Nós queríamos também que os portugueses se assumissem, de uma vez
por todas, como cidadãos aqui em França», acrescenta.
A rádio ergueu-se para preencher as linhas de «uma espécie de manifesto»
em que os fundadores, «cerca de uma dezena», escreveram aquilo que não queriam
que o projecto fosse.
«Queríamos dizer que há outro Portugal, outra música portuguesa, e
que os portugueses em França não eram a imagem nem os clichés cultivados no
seio da comunidade pelos ‘velhos do Restelo’», explica.
O projecto foi feito com «muita paixão» e «muita ilusão». Em 1992,
havia «enormes problemas financeiros». A rádio mudou de estatuto. «Passou a ser
uma rádio comercial». Até hoje fez uma viagem «como da noite ao dia».
Entretanto, passaram pelos estúdios da informação personalidades
políticas portuguesas como Mário Soares e Cavaco Silva, e francesas, como
Nicolas Sarkozy e até Jean-Marie Le Pen. A rádio, diz Artur Silva, conseguiu
tornar-se «incontornável» no campo político.
Mas hoje, 25 anos depois, «está numa encruzilhada». Para o
coordenador da informação da Alfa, há várias questões que se levantam, e das
quais depende o futuro deste projecto.
«É uma rádio para quem? [Para] a primeira geração? Qual é a idade
da primeira geração? Onde está ela? [Para] a segunda geração? Hoje já tem
netos! Qual é a relação que têm com Portugal, qual é a relação que eles têm com
a língua portuguesa?», enumera.
O director da rádio, Fernando Lopes, concorda. «A rádio evoluiu
muito», mas «está a chegar a uma idade em que tem que alterar alguma coisa,
porque as pessoas mais novas vão querer um produto diferente daquele que
queriam os seus pais e avós».
«A emigração que está a chegar é uma emigração que se [interessa
por] Portugal. Essa vai ouvir a Alfa, de certeza», acrescenta. O mais
complicado, considera, «é manter em antena o luso-descendente que casou com uma
não portuguesa, por exemplo. Quando tiverem filhos, porquê a Alfa?».
Para já, e no que respeita a informação, a rádio está «a seguir a
estratégia de [levar a antena] os políticos franceses, para que se justifiquem
perante a comunidade, porque quem não fala não existe».
A Rádio Alfa foi para o ar pela primeira vez no dia 5 de Outubro
de 1987. Hoje é ouvida por entre 50 e 60 mil pessoas por dia.
Lusa/SOL