ao fim de tantos anos como jornalista parlamentar, já se considera uma espécie de instituição na assembleia da república?
seria muito abusivo da minha parte pensar isso, porque nós estamos num dos principais órgãos de soberania do país e o meu trabalho tem sido tão-somente tentar que essa instituição chegue de forma clara aos cidadãos, para que possam tomar decisões mais responsáveis. tenho assumido o meu trabalho como serviço público, uma missão para chegar aos cidadãos que necessitam de explicações.
o seu trabalho passa por descodificar o que se passa no parlamento?
algumas pessoas dizem-me que as faço perceber o que está a acontecer e tem sido essa a minha preocupação. não uso uma linguagem codificada, demasiado hermética, apesar de ser fácil cair nela. procuro que a minha linguagem seja simples, para que as pessoas entendam o jogo político.
quem segue o seu trabalho são os aficionados da política?
ao longo dos anos, e mais desde que há sic notícias, tenho notado que há pessoas de todos os géneros a verem-me. não há nenhum aficionado da política, em particular. e, desde que a crise se instalou, a sede de informação aumentou e é sentida por jovens e mais velhos, por gente mais ou menos letrada.
ainda consegue ter um olhar neutro em relação às respostas dos políticos ou é inevitável um certo cinismo em relação ao seu discurso?
a imparcialidade e a neutralidade são difíceis de atingir. por mais jornalistas que sejamos somos primeiro cidadãos, e não devemos despir essa veste. a objectividade é um valor a alcançar, mas há uma parte em que somos nós, cidadãos, a reagir. eu tento controlar esse impulso, mas de vez em quando vem à superfície, e mais agora com a crise. sinto alguma zanga vendo que há ciclos que se repetem, e o ciclo da crise política em portugal está a repetir-se com frequência. isso torna-se cansativo.
que estratégia usa para contornar um político que foge às questões?
a pergunta directa, que nem sempre tem resposta, é aquela que os espectadores esperam ver respondida. mas, infelizmente, há alguns colegas que fazem perguntas mais abertas e isso potencia também uma resposta mais vasta. por exemplo, ‘pode ou não haver recuo do governo em relação à tsu’ e ‘em que moldes?’ são formas directas de obter respostas. não é andar ali com ‘rodriguinhos’…
qual é o político mais fugidio?
é impossível de dizer. foram tantos com quem convivi ao longo destes anos… mas há políticos que, apesar de disponíveis, nem sempre respondem e um deles era antónio guterres – disponível, mas não era fácil tirar alguma coisa dele. e santana lopes também era um pouco assim.
no parlamento, faz-se muito trabalho de corredor?
nestas últimas semanas, conversámos muito, entre nós, jornalistas parlamentares – uma das ferramentas mais úteis é trocarmos impressões –, mas também com deputados. talvez tenha acontecido mais pela perplexidade dos acontecimentos e porque precisávamos de respostas. mas com esta nova vaga de deputados mais jovens não é tão fácil o convívio. penso que não vêm tão treinados para aproveitar uma zona livre – os corredores – para falarem com os jornalistas. e isso nem prejudica o seu trabalho, só pode enriquecê-lo.
este é dos momentos mais estimulantes pelos quais já passou?
já não sinto aquele apelo de quando era mais jovem, em que havia o lado lúdico do jogo político. ou seja, uma crise política podia ou não acabar em eleições e isso tinha um lado encantador. ‘qual é a próxima jogada?’ ou ‘será que vão anunciar um congresso?’ – tudo isto teve o seu gozo, mas agora só sinto preocupação. a crise é tão intensa e acontece tudo tão rapidamente que temos dificuldade em controlar o momento. além disso, há o lado dramático de ser talvez a pior crise da democracia portuguesa e em que é mais difícil prever o futuro. ninguém sabe o que pode acontecer ao governo, ninguém sabe nada. e esta imprevisibilidade é angustiante. há uma tensão grande no parlamento.
quando paulo pedroso saiu da prisão, estava em directo da assembleia. o seu discurso denunciava alguma perplexidade.
foi a situação mais difícil e mais dolorosa da minha carreira. primeiro, pelos condicionalismos logísticos, porque houve uma massa humana do ps que invadiu os corredores do parlamento e criou problemas de trabalho. houve até episódios de risco físico, com cabos a rasarem a minha garganta, mesas a caírem… no meio do caos, não era fácil ter um discurso coerente.
como contornou a situação?
só me lembro de questionar manuel alegre ou almeida santos sobre aquela manifestação de alegria quando pedroso não tinha sido sequer julgado. é verdade que nessas perguntas mostrei alguma perplexidade, que penso que fosse a mesma perplexidade do cidadão que me estava a ver. é isso que eu tento fazer: lembrar-me de interrogações que possam estar na cabeça das pessoas.
lembra-se da sua primeira saída em reportagem, na sic?
ainda estava em formação e, apesar de ser das mais veteranas, senti-me descalça. saí para a rua com o meu colega paulo cepa e até vim satisfeita, mas, na época, tínhamos um filtro muito violento, que era a análise das peças feita por um júri que destruía o nosso trabalho que, de facto, não era de qualidade. cheguei a pensar voltar para a lusa já quando estávamos no ar.