Embaixador do Brasil: ‘Trocas ainda são tímidas’

Num momento em que Portugal está em recessão económica, o  Brasil destaca-se a nível mundial pelo crescimento. Para Mário Vilalva há «sentido de urgência»  na cooperação entre os dois países, que estão a alterar «o paradigma» da sua relação. E pede mais democracia política internacional, para ajudar a evitar crises no futuro.


as
relações diplomáticas do brasil com portugal são agora mais intensas, devido à
crise económica?

há um foco muito grande na nossa relação
económica com portugal. estamos a tentar transformar o capital político
acumulado, durante muito tempo, em mais negócios. a relação comercial tem vindo
a crescer, mas não corresponde a toda a relação diplomática que temos.
acreditamos, portanto, que a relação comercial entre os dois países ainda é
tímida. mas pode crescer, tem potencial para isso.


o que é necessário
fazer?

em primeiro lugar, mais estudos para
identificarmos os nichos de mercado que não estão a ser aproveitados. em
segundo, é preciso avançar na integração mercosul e união europeia. a relação
entre o brasil e portugal passa, necessariamente, por esses blocos. só depois
de chegarmos a acordo sobre o livre comércio daremos um salto nas relações,
através da redução das barreiras tarifárias, mas também de outras.


isso ainda estará
distante…

retomámos o trabalho sobre este assunto a
nível internacional. outro eixo nas relações bilaterais são os investimentos.
portugal investiu muito no brasil, nos anos 90, durante o programa de
privatizações, tendo acumulado um
stock
de 25 mil milhões de euros em activos. o brasil vem
investindo em vários países e também em portugal. temos um
stock
na ordem dos 3 mil
milhões e tudo indica que estamos a viver um momento de aceleração dos
investimentos em portugal.


além das
privatizações, podemos assistir a investimentos no sector produtivo?

temos o investimento da embraer. quem diria
que portugal e brasil estariam a colaborar na alta tecnologia? vemos, por
exemplo, o projecto rapid, uma tecnologia portuguesa de reconhecimento, a ser
introduzido nos aeroportos brasileiros. estamos a cooperar na biotecnologia: vamos
assinar um protocolo para cooperar no biocant park, em cantanhede, e estamos já
a pensar na construção de um laboratório luso-brasileiro nesse parque. estamos
também a negociar um acordo na área da nanotecnologia, aproveitando o
laboratório ibérico de braga. estamos a dar à língua portuguesa um substrato
económico.


o brasil apenas pode
financiar países em troca de activos com notação máxima (triplo a). poderá
abrir uma excepção para portugal?

por lei, apenas podemos aceitar activos
triplo a. o banco central é quem faz esse investimento e não pode ignorar a lei
por desejo político. a hipótese é, materialmente, inviável. agora, para
colaborar com portugal estamos a dar sentido de urgência à cooperação entre os
dois países.


qual o lugar de
portugal no futuro do brasil? será uma porta de entrada na europa demasiado
pequena?

portugal não é a porta de entrada do brasil
na união europeia, é uma das portas. temos relações comerciais muito intensas
com a alemanha, itália, frança, mas portugal tem vantagens competitivas, que
devia colocar em destaque para atrair mais empresários brasileiros.


o brasil assume um
papel cada vez mais preponderante nas relações internacionais e tem pretensões
para aumentar a sua representação em instituições internacionais…

as relações de poder mudaram muito nos
últimos anos. a estrutura actual foi criada após a segunda guerra mundial.
temos a onu, com o conselho de segurança, temos o sistema de bretton woods com
o fundo monetário internacional, o banco mundial e a organização mundial do comércio.
é a altura de reestruturar e dar espaço, sobretudo, aos emergentes. o brasil
acredita que só podemos ter um mundo melhor se democratizarmos a estrutura
política, porque a económica já está democratizada. isso faz-nos perguntar:
será que as crises que estamos a viver hoje não são produto da ausência de uma
democratização da área política?


está ao lado da
união europeia, dos eua, mas também em eixos alternativos que incluem o irão e
a venezuela. sem cairmos em dualismos simplistas, o brasil terá de escolher um
dos lados?

o brasil possui uma política externa
multifacetada e isso espelha a nacionalidade brasileira, um pais multiétnico.
até há bem pouco tempo não falávamos em liderança. agora sim, mas uma liderança
benigna, por isso, ela é aceite por todos os países. enquanto não é alterada a
estrutura de poder a nível das instituições pós-2ª guerra, o brasil vai formando
novas coligações: bric (brasil,rússia, índia e china), g20, cplp, ibas (índia,
brasil e áfrica do sul), mercosul, unasul. portugal apoia-nos na formação deste
novo mundo multifacetado. politicamente, temos com portugal uma relação muito
antiga, muito boa. é o país com o qual o brasil fala de forma mais franca,  ao ponto de 
os governos chegarem a qualificar a nossa relação de cumplicidade
estratégica. acho esta expressão muito feliz.


há também a ideia de
que o brasil não efectua todos os esforços para reforçar o denominado triângulo
virtuoso: brasil –palop – portugal.

isto ocorre na medida em que exista
interesse pela triangulação. se o empresário acha que pode ir sozinho, é
difícil convencê-lo a ir com uma empresa portuguesa. mas há espaço para
entendimentos e será tanto mais interessante se os governos demonstrarem que há
vantagens. mas estamos presentes em todos os palop.


os eua têm eleições
à porta. que alterações podemos esperar?

sempre mantivemos, tanto com o presidente lula, como com a presidente
dilma, uma relação de muito respeito com os eua, tanto com george bush, como
agora com obama.

frederico.pinheiro@sol.pt