numa entrevista muito recente, disse que quase revolucionou a rtp quando foi directora de programas.
revolucionámos – o presidente, dr. proença de carvalho, e eu. ele era uma pessoa que, tal como outro presidente, o joão soares louro, gostava e entendia o meio. o joão soares louro criou o segundo canal e o dr. proença de carvalho revolucionou uma televisão que começava às duas da tarde e cuja emissão foi antecipada para as oito da manhã. e depois ele tinha uma preocupação em dar voz ao ps, apesar de ter sido escolhido pelo governo da ad. convidámos o manuel alegre, a natália correia, o david mourão ferreira para fazer programas. e eram projectos pensados, não era para arranjar audiência às nove da noite de sexta-feira. na época, a programação era concebida como um todo e hoje nota-se muito essa falta de pensamento global nas estações.
o que é que levou para a rtp e que ainda hoje se mantém?
os programas em directo, por exemplo. começámos com o passeio dos alegres e hoje há ‘n’ ‘passeiozinhos dos alegres’. e, depois, a nossa chave-mestra: as telenovelas. hoje, ouve-se responsáveis de outros canais e de produtoras dizer ‘nós começámos a produção de telenovelas em portugal há dez anos’, mas é estranho, porque foi em 1980. isso foi a coisa mais revolucionária que fizemos.
tinha 30 anos. hoje, nenhum director de programas, nem mesmo um pivô de destaque, tem essa idade. encontra uma explicação para isso?
é muito difícil criar um pivô com credibilidade. o pivô do telejornal é muito importante, deve ser uma pessoa em quem os espectadores confiam. por isso, é normal que os mais novos comecem em serviços noticiosos menos importantes e, depois, conforme a experiência, sejam chamados para um telejornal. cá, com os noticiários a serem particularmente longos e podendo numa hora acontecer as mais diversas coisas, convém que o pivô tenha preparação, bagagem, sangue frio.
quando foi directora de programas tinha essa preparação?
senti que não. mas, das pessoas que existiam naquele momento na televisão portuguesa, talvez fosse das mais bem preparadas, porque tinha estudado jornalismo em frança, já tinha sido chefe de redacção do serviço regional, depois chefe de redacção dos programas de informação não diários, tinha feito entrevistas lá fora… era uma miúda desejosa de não errar e trabalhava, trabalhava, trabalhava, para compensar as minhas lacunas.
com a morte da margarida marante, falou-se muito das entrevistas que ela fez. quem é que acha que representa a maria elisa e a margarida marante nas entrevistas que são feitas hoje em televisão?
que pergunta difícil… não sei… a mim, sempre tive a impressão que ninguém me representava. mas se podemos dizer que havia um estilo margarida marante, acho que em certo momento a manuela moura guedes se posicionou um bocadinho no mesmo género: eram pessoas muito acutilantes, mais agressivas, embora com diferenças. mas, sinceramente, não sei… gosto das entrevistas da ana lourenço. acho-a uma pessoa sensata, equilibrada, características indispensáveis para se fazer uma televisão que se propõe ser um estímulo à reflexão.
quando lhe perguntam sobre as suas entrevistas, refere sempre a figura de álvaro cunhal. mas quem gostou mais de entrevistar?
continuo a dizer que o dr. álvaro cunhal era uma personagem ímpar, mas acho que não percebi devidamente quem era o dr. francisco sá carneiro, que entrevistei três vezes. lá está: não tinha idade, foi antes dos 30, em que estudava tudo o que podia, mas não tinha maturidade para me aperceber o que aquela personalidade representava em portugal. depois, entrevistei a benazir bhutto, o jorge luis borges, o eduardo lourenço… tive uma sorte inacreditável.
tendo em conta o seu percurso, por que optou por lançar um livro sobre a sua experiência com o cancro?
ia escrever um livro político, mas entretanto vi-me a braços com este drama, com o drama de uma mulher viúva, que dedica a vida aos filhos e aos netos, e que, aos 85 anos, tem um cancro. a minha mãe ficou totalmente dependente, veio para minha casa e, durante quase dois anos, não pensei em mais nada. então, tive de conciliar a necessidade de honrar um contrato com a editora com o único interesse que passei a ter naquele tempo.
depois dessa experiência, ainda sente interesse pela televisão?
claro, é o meu habitat natural. talvez seja a única coisa em relação à qual me sinta completamente confortável na vida: o ecrã, o estúdio de televisão. é estranho, mas é como se não me pudessem tirar de lá, embora já me tenham tirado inúmeras vezes. agora, concretamente. mas sei que a qualquer momento, se for preciso, volto e talvez seja como andar de bicicleta: nunca se esquece.
é espectadora do telejornal?
pouco. actualmente, sigo com muito mais interesse as notícias norte-americanas.
do pouco que vê do telejornal, quais as diferenças que nota em relação à sua forma de apresentar?
nós fazíamos o que podíamos, com os recursos técnicos que tínhamos. havia uma mediação de tempo entre o acontecimento e a possibilidade de o relatar enorme. por exemplo, se houvesse um grande desastre rodoviário a 100 quilómetros, dávamo-lo horas depois, porque as imagens ainda eram feitas em filme. a diferença é abissal.
chamaram-lhe «ex-líbris» da rtp.
isso e muito mais. também me chamaram o bijou da crítica.
e lamenta o facto de, mesmo para um bijou, a relação com a rtp ter terminado com a sua saída?
claro que lamento. não percebo. fui sempre uma loner, uma pessoa sozinha, a não ser quando me tornei compagnon de route do psd, mas tirando essa proximidade fugaz, que acabou por me magoar profundamente, nunca fui de partido nenhum, nunca tive nenhum marido rico e com influência, nunca fui de lóbi nenhum ou de sociedades secretas. mas, a partir de certa altura, começou a ser importante as pessoas moverem-se nesses lóbis e eu nunca tive nada disso.
mas tem esperança que a convidem, um dia, para algum programa?
não penso nisso. na vida, as coisas que me aconteceram, aconteceram sempre sem eu estar à espera delas.