Os Nazis estão entre nós

Em ‘Os Monstros Também Amam’, Clara Sánchez desmascara idosos simpáticos, afinal nazis que viveram impunes na Europa. Nem todos gostaram.

quando a escritora espanhola clara sánchez tinha 25 anos, nos anos 80, fugiu de madrid para uma cidade de praia perto de alicante. queria tranquilidade. aí, deparou-se com um obscuro segredo, que não era tão secreto assim. um vizinho era um antigo oficial nazi. todos o sabiam, mas clara ficou chocada.

para si, os nazis eram quase personagens dos livros de história. «eram como fantasmas. como poderia uma pessoa normal ter feito tal atrocidade? estranhei ver um deles cara a cara», diz ao sol. não percebeu por que não estava o homem na prisão a pagar pelos seus crimes. «ainda hoje não percebo. estávamos nos anos 80, não no franquismo». a ideia ficou com ela ao longo dos anos. «é surpreendente. muitos nazis viveram naquela zona e ali foram enterrados».

foi há cinco anos, quando viu num jornal uma fotografia de um casal idoso norueguês a viver no sul de espanha, cuja legenda indicava os seus nomes e que ambos tinham sido nazis, que percebeu que tinha matéria para um romance. «eram dois velhinhos com as mãos cheias de sangue. dois monstros».

os monstros também amam, o seu sétimo livro (ed. matéria prima), é feito de personagens ficcionais que bem podiam ser reais. julián, 85 anos, é um espanhol sobrevivente do campo de concentração mauthausen (onde estiveram cerca de 8 mil republicanos espanhóis). dedicou a vida a perseguir nazis e, já na velhice, vai para alicante caçar um casal de ex-oficiais nazis, karin e fredrik, que se aproximaram de sandra, uma jovem grávida espanhola. todos confluem no romance, um thriller psicológico que reflecte sobre a impunidade, a vingança, a amizade.

vencedor do prémio nadal, o livro vendeu 200 mil exemplares em espanha, 400 mil em itália. mas nem todos gostaram. clara recebeu cartas intimidatórias, que lhe exigiam que se retractasse. «a primeira carta dizia: ‘deixa em paz esses velhinhos que tanto fizeram por espanha. heil, hitler’».

se, a princípio, não sentiu medo, com o avolumar das cartas sentiu-se inquieta. «ao sair de casa via se não estava um desses loucos à porta. incomodei-os muito», diz. o que subsiste, porém, é o orgulho de os ter chateado, ao expor que, seja em espanha, no algarve, na costa italiana ou francesa, há nazis entre nós. assassinos cruéis disfarçados por uma máscara de bondosa velhice.

«de calções curtos, no supermercado, parecem pessoas normais». mas, como lembra clara sánchez, «não há nada normal neles. fizeram coisas terríveis que nenhum de nós faria».

e, no seu entender, não merecem perdão: «eles perdoaram-se a si mesmos o suficiente. não temos por que os perdoar. como? posso perdoar que alguém me atire com café, que falem mal de mim. não posso perdoar que matem o meu pai, a minha filha. e o que fizeram não foi um acidente. foi com desprezo e com uma absoluta falta de respeito pelo próximo».

rita.s.freire@sol.pt